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07 fevereiro, 2011

Grupos de extermínio agem em Goiás

Logo após a série sobre os desaparecidos, a manchete de O Popular no dia 24 de janeiro, foi outra excelente reportagem, sobre a atuação de grupos de extermínio em Goiás ( cuja existência havia sido mencionada em matéria do Globo no mesmo dia da primeira reportagem daquela série). 

Confira a íntegra das duas matérias que compunham a reportagem:


Cidades - Denúncia leva a grupo de extermínio (MP)

Fonte: O Popular 24/01/2011

Denúncias encaminhadas nos três últimos anos à Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos revelam a existência de grupos de extermínio em ação em Goiás e em outros cinco Estados brasileiros: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Mato Grosso e São Paulo. Em Goiás, as denúncias apontam a participação de policiais civis e militares em execuções sumárias.

As vítimas são jovens, entre 18 e 30 anos, a maioria do sexo masculino e que tinha antecedentes criminais por furto, roubo, tráfico de drogas e receptação. Todas foram mortas a tiros com armas de calibres de uso das polícias. A maioria dos tiros acertou a cabeça das vítimas.

Apesar da revelação feita pelo ouvidor Fermino Fecchio Filho, da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, a investigação dos atos criminosos do grupo é pulverizada em diferentes inquéritos policiais e em processos que correm há anos na Justiça.

Trocas de tiros forjadas com bandidos apontados como de alta periculosidade e a execução sumária de suspeitos de cometer crimes, feita por duplas em motocicletas são algumas das ações investigadas tendo como prováveis autores policiais goianos.

Uma investigação neste sentido segue em sigilo no Grupo de Repressão ao Crime Organizado (GRC) do Ministério Público (MP) estadual e no Conselho de Defesa dos Diretos da Pessoa Humana (CDDPH) da Secretaria Nacional de Segurança Pública, da Presidência da República.

Os homicídios atribuídos aos integrantes do grupo de extermínio goiano são investigados também de forma pulverizada, em delegacias de polícia do interior, em Grupos de Investigações de Homicídios nas 14 regionais da Polícia Civil, na Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic) e na Delegacia de Investigações de Homicídios (DIH).

Integrante do CDDPH, a procuradora de Justiça Ivana Farina Navarrete Penna explica que as características das execuções praticadas pela polícia goiana são de grupo de extermínio. "São tiros certeiros no crânio, incineração de corpos, o uso de motocicletas nos assassinatos para dificultar a identificação dos autores e o desaparecimento de pessoas", disse.

No mapeamento dos grupos de extermínio em ação no Brasil investigados pelo CDDPH estão bandos de Goiás, Paraíba, Pernambuco e Ceará em atuação desde 2003, na Bahia desde o ano 2000, em Sergipe e no Espírito Santo desde 1994, no Rio de Janeiro desde 2006 e em toda a Região Nordeste do País desde 2005.

22 janeiro, 2011

Democracia tem mais desaparecidos do que ditadura - N'O Globo também

Na edição do domingo, dia  dia 9, quando saiu a primeira reportagem da série de O Popular,  O Globo também tratou dos dois temas, mas sem relacioná-los, como fez o primeiro. 

Uma das várias matérias, manchete principal, abordava a existência de grupo de extermínio no Entorno do DF. Declaração do Ministro Nélson Jobim, que estava numa outra, foi respondida em artigo publicado na edição de terça-feira, dia 11, da Folha. Confira, abaixo, clicando sobre os títulos:



Policiais comandam grupos de extermínio em todo o país, revela ouvidor de direitos humanos - O Globo Online 

Governo Dilma quer aprovação da Comissão da Verdade para identificar torturadores - O Globo Online 

Jobim diz reconhecer resistência 'minoritária' contra apuração de crimes cometidos na ditadura - O Globo Online 

Comissão da Verdade: coronel da reserva não crê em 'caça às bruxas' - O Globo Online  

Ex-companheiros de Dilma relembram tristes momentos na VAR Palmares - O Globo Online 

Dois Demônios - por Vladimir Safatle - Folha, 11/01/11  

21 janeiro, 2011

Democracia tem mais desaparecidos do que ditadura -3 - Secretário de Segurança Pública é entrevistado

Após a série de reportagens sobre os desaparecidos, publicada de domingo a quarta-feira, o entrevistado da semana no Face a Face foi o Secretário de Segurança Pública, João Furtado de Mendonça Neto. 

Entrei no Facebook quando o jornal criou essa ferramenta. Pude observar, à época,  seguindo os comentários, que era uma inovação que partira do CEO da OJC, Fernando Portella. Como ele está deixando a empresa, não vejo sentido em manterem o formato e essa entrevista só comprova isso.

O único ponto positivo no formato é permitir ao público fazer perguntas ao entrevistado. Atualmente, os usuários do Facebook fazem perguntas ao longo da semana, na sexta-feira o entrevistado responde e no sábado a entrevista é publicada. No entanto, como é uma plataforma externa , se quem perguntou não for assinante ou não comprar o jornal, sequer verá a resposta dada, já que o conteúdo não é publicado no Facebook. Qual o sentido então de restringir a partipação a esta única plataforma ( perguntas enviadas por  e-mail, salvo engano, são incluídas no Facebook pela redação). Mas e o twitter (onde em Goiás há muito mais discussão política),  o telefone, o correio, o fax, e o que mais aparecer por aí? 

No aspecto jornalístico, é muito confortável para o entrevistado. Primeiro, não há surpresa nas perguntas, que ele pode acessar enquanto vão sendo formuladas, se preparando calmamente. Segundo, como não há réplica, esses dois pontos acabam neutralizando o ponto positivo da liberdade em perguntar: a resposta pode fugir do que foi perguntado e fica por isso mesmo,  convertendo-se numa variação do jornalismo declaratório.

Manter a liberdade do público perguntar, mas com os jornalistas cobrando as  respostas e também participando, com questões em primeira mão: esse seria um Face a Face muito melhor.
Para exemplificar, duas respostas dadas na entrevista mencionada acima (leia na íntegra clicando aqui). Imaginem como seria no formato que sugiro, com os jornalistas interferindo (destaques em azul meus):

Walter Costa – O senhor afirmou que aumentará em 25% o efetivo da PM, que é o ideal e o necessário, mas a Polícia Civil também não terá seu efetivo aumentado?


O aumento será gradativo. Temos uma diretriz do governador de não fazer concurso neste ano até que se coloque a casa em ordem e também porque recentemente houve uma nomeação excessiva de servidores efetivos e está havendo uma dificuldade em relação a isso. Há também um grande quantitativo de cargos temporários. Estamos acompanhando o planejamento do governo e vamos tentar nos adequar a ele. Mas vamos aumentar o efetivo da polícia, da PM em primeiro lugar porque é ostensiva. Produz efeito quando está presente no seio da comunidade. Se a polícia está presente nos bairros, a tendência de você sofrer um evento perigoso é menor. A PM funciona ostensivamente, precisa circular pelo Estado todo. Hoje a gente está com um conceito de polícia comunitária que exige mais gente ainda. Polícia tem de estar próxima da família, tem de defender o cidadão, tem de defender a saúde pública, retirar o crack e o traficante das ruas.
 
Então, vamos aumentar o efetivo da PM porque está defesado. A população aumenta, aumenta a necessidade de policiais. Muitos policiais se aposentam, outros vão para reserva ou morrem. No caso da Polícia Civil, temos de fazer o mesmo trabalho de reposição do efetivo, mas os porcentuais não são semelhantes, são menores.


Luciana Brites – Policiais e jornalistas que vão investigar e cobrir crimes supostamente cometidos por policiais e a existência de grupos de extermínio terão alguma proteção especial? É comum delegados e repórteres sofrerem ameaças e todo mundo tem medo de morrer. O Estado tem alguma proteção específica para essas categorias?


Eu espero que não seja preciso este tipo de proteção. Montamos uma comissão bem plural, com pessoas de diversos segmentos da sociedade e também de instituições policiais, justamente para oferecer o suporte que elas precisam para trabalhar. Não é uma comissão investigativa, isso é papel da polícia, mas para preparar um relatório com base no que está acontecendo, o que aconteceu e apresentar para a sociedade para dar transparência dos fatos. Essa comissão não vai se envolver com pessoas em situação de risco.

Democracia tem mais desaparecidos do que ditadura - 2 - Jornalistas comentaram a série

A série de O Popular teve repercussão na imprensa goiana (na TV, aparentemente foi ignorada):


1) No semanário Jornal Opção, Euler Belém, editor do jornal e único jornalista de Goiás que consta como fonte da obra de Elio Gaspari sobre a ditadura militar, comentou a série em sua coluna  Imprensa. Identificou uma  facção na PM que age fora da lei , "instituiu a pena de morte no Estado" e é "muito influente". Ao final, se mostra esperançoso quanto ao novo Secretário de Segurança Pública mudar o quadro.


No texto principal da coluna, tratou da história e violência da máfia italiana, incluindo sua ramificação dentro do aparelho estatal e citou o provébio siciliano que personifica a omertà, a lei do silêncio “aquele que é cego, surdo e mudo viverá cem anos em paz”. A nota completa era:

Polícia institui pena de morte em Goiás

Há duas “instituições” na Polícia Militar de Goiás. Uma, composta pela maioria dos policiais, é séria e respeita as leis. Outra, ainda que minoritária, é muito influente e comporta-se como se fosse PM, Polícia Civil, Ministério Público e Judiciário. Essa facção, que comporta-se como se fosse um esquadrão especializado em assassinatos, investiga, prende, denuncia e condena. O grupo instituiu a pena de morte no Estado. No domingo, 9, a repórter Rosana Melo, do “Pop”, publicou uma matéria que mostra, detalhadamente, que o número de pessoas que desapareceram (25) depois de abordagem policial é maior do que o número de desaparecidos políticos (quinze) no tempo da ditadura civil-militar. É possível que o dado esteja subestimado.
O secretário de Segurança Pública, João Furtado, tem autoridade para mudar este quadro. Porque, além de jurista, de apostar no Estado de Direito, é um humanista.
( a coluna não tem link direto. Acesse jornalopcao.com.br, clique em colunas e  a seguir em Imprensa)

2. Eduardo Horácio, jornalista e professor universitário, entre outras coisas, mas acima de tudo independente, autor do blog Jornal X, elogiou a série em seu perfil @jornalx no twitter:

Em tempo: reportagens de Rosana Melo em O Popular são o q de melhor o jornalismo goiano produziu nos últimos anos http://tinyurl.com/6bfkrd4

10 janeiro, 2011

Democracia tem mais desaparecidos do que ditadura -atualizado

Imperdível e histórica a série de reportagens de Rosana Melo que O Popular publica desde ontem.

Primeira parte - 09/01: Democracia tem mais desaparecidos do que ditadura



O número de desaparecidos em Goiás após abordagem policial nos últimos dez anos é maior que o de goianos desaparecidos políticos durante o regime militar. Este é o resultado de um levantamento do POPULAR em quatro fontes: a Divisão de Pessoas Desaparecidas (DPD) da Delegacia de Investigações de Homicídios da Polícia Civil, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Goiás, a Corregedoria da Polícia Militar e o Centro de Apoio Operacional de Controle Externo da Atividade Policial, do Ministério Público.


A pesquisa revela que 23 pessoas nunca mais foram vistas após abordagem da Polícia Militar entre 2000 e 2010. Durante os anos mais duros do regime militar, entre 1968 e 1979, 15 goianos desapareceram.

O sumiço de pessoas em plena democracia quase sempre teve o mesmo padrão: as vítimas foram abordadas em locais públicos e na presença de várias testemunhas. Muitos dos desaparecidos entre 2000 e 2010 cometiam pequenos delitos e foram abordados como suspeitos pela PM.
(clique aqui para ler a íntegra)
O Popular - Desaparecidos


Segunda parte - 10/01: A espera sem fim das famílias dos desaparecidos da democracia


Nas três últimas semanas, O POPULAR tentou localizar as famílias das vinte e três pessoas desaparecidas após abordagens policiais entre os anos de 2000 e 2010 em Goiás. Algumas, com medo de represálias por parte dos suspeitos, preferiram não falar. Sete aceitaram contar seus dramas. Uma coisa em comum entre elas: a revolta pela falta de respostas sobre o sumiço de seus filhos.
(  clique aqui para ler a íntegra)




Terceira parte - 11/01: Sobe para 25 o número de pessoas desaparecidas após ação da PM

Sobe para 25 o número de pessoas que desapareceram depois de abordagens da Polícia Militar em Goiás. Durante três semanas, O POPULAR pesquisou o tema em quatro fontes diferentes: na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, na Polícia Militar, na Divisão de Pessoas Desaparecidas da Delegacia de Investigações de Homicídios e no Centro de Apoio Operacional do Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público.

A conclusão da pesquisa, publicada na edição de domingo e ontem do POPULAR, foi a de que mais pessoas desapareceram em Goiás após abordagens da PM entre 2000 a 2010 do que entre 1968, quando foi redigido o Ato Institucional número 5 (AI-5), e 1979, quando o último presidente militar, João Batista Figueiredo, promulgou a Lei da Anistia. No período, oficialmente, 15 goianos desapareceram.

O número de desaparecidos na última década subiu de 23 para 25 pois ontem a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Goiás teve acesso a documentos da Corregedoria da Polícia Militar e da Justiça de Alvorada do Norte, em que outras duas pessoas foram dadas como desaparecidas após ação da PM.(clique aqui para ler a íntegra)


SSP anuncia criação de comissão para investigar desaparecimentos

Em entrevista ontem, durante a posse de desembargadores do Tribunal de Justiça, o secretário de Segurança Pública, João Furtado Neto, disse que dará uma solução imediata para a sociedade em relação aos desaparecimentos de pessoas depois de abordagens da Polícia Militar.
(clique aqui para ler a íntegra)

Quarta parte - 12/01: Defensoria apura desaparecimentos

A Defensoria Pública da União abriu processo administrativo para apurar como foram feitas as investigações sobre os 25 desaparecimentos de pessoas ocorridos após abordagens policiais entre os anos de 2000 e 2010. A denúncia, feita na série de reportagens que o POPULAR publica desde domingo, revela que mais pessoas desapareceram em Goiás no período que entre os anos de 1968 e 1979, fase mais conturbada do regime militar brasileiro.

Segundo Adriano Cristian Souza Carneiro, do Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva da Defensoria Pública da União em Goiás, a intenção da instituição é pressionar os órgãos estaduais para que façam investigações que apresentem resultados. "O que nos parece é que falta eficácia nas investigações destes casos. Se, no processo administrativo, a Defensoria Pública da União entender que houve ineficácia, poderemos propor a federalização das investigações sobre os desaparecimentos após abordagens da PM em Goiás", explicou. (clique aqui para ler a íntegra).

26 dezembro, 2010

Rodrigo Pimentel: além do Face a Face

Rodrigo Pimentel, ex-capitão do BOPE, é co-roteirista dos filmes Tropa de Elite. Na segunda-feira, dia 20, ele participou de um debate promovido pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de Goiás, UFG e jornal O POPULAR sobre o segundo filme da franquia.

 Em 2007, ele já participara de debate semelhante, a propósito do primeiro filme. Desta vez o debate foi menos concorrido, não havendo tantos membros do MP ou da polícia como no anterior, com certeza, em parte, pela data já próxima do Natal.  

Não houve muito tempo para perguntas do público, já que eram vários os debatedores. Aproveitei para fazer as perguntas que gostaria através do Face a Face, de O Popular, que permite aos leitores questionar um entrevistado via Facebook.

Tratei de duas questões fundamentais: a legalização das drogas e a tortura. Ambas já apareceram aqui no blog várias vezes (veja nos marcadores Marcha da Maconha e Anistia, por exemplo).

Este artigo é publicado em conjunto com os dois que o antecederam, em que reproduzo as perguntas feitas para a entrevista do Face a Face e os trechos da última entrevista dele à  TRIP,  em que  trata dos mesmos temas.

Indico, para quem quiser se aprofundar, os registros em vídeo do seminário Direitos Humanos: Conjuntura e Perspectivas, que discustiu esses temas, ao longo de quatro horas cada, nos dias 10 e 11 de novembro, na Assembleia Legislativa de Goiás, numa realização da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa.

Já para conhecer melhor a opinião de Rodrigo Pimentel sobre os dois temas e a sua passagem pelo BOPE, indico as entrevistas que deu à revista TRIP, em 2001, a propósito da sua saída da PM após o lançamento do filme documentário Notícias de uma Guerra Particular, em que deu um depoimento central, e em 2009, junto com o colunista da revista Luiz Alberto Mendes, que ficou preso por 31 anos. Abaixo, as duas edições.



Veja mais:




Trip nº 182 - Outrubro de 2009 - Fogo Cruzado: Rodrigo Pimentel, ex-capitão da verdadeira Tropa de Elite, encara Luiz Mendes,  31 anos de prisão.






Trip nº 89 - maio de 2001 - Entrevista logo após deixar a PM em consequência da repercussão de seu depoimento no filme Notícias de uma Guerra Particular.

Rodrigo Pimentel: além do Face a Face - Tortura



Confira,  abaixo,  a pergunta que formulei a Rodrigo Pimentel no Face a Face,  publicado na edição de ontem (25/12), de O Popular, sobre  a  conivência com a tortura,  que subverte a hierarquia e a disciplina policiais. 

Reproduzi a pergunta original,  feita no Facebook, a versão editada pelo jornal  e a resposta de Pimentel, e, logo depois,  trecho da entrevista dele à revista TRIP, edição de outubro de 2009, em que trata do mesmo assunto com mais detalhe.

(veja também o artigo anterior e o posterior, publicados em conjunto com este) 





Facebook -No debate, você destacou a necessidade de profissionalização das polícias brasileiras e mencionou que em vários países suas estruturas são militares ou paramilitares. Esses modelos se fundamentam na hierarquia e disciplina, que são subvertidos quando há a conivência com práticas ilegais, como mostra o filme em relação à corrupção, com os comandados se impondo aos seus supostos comandantes. No entanto, a tortura é admitida, com o "saco" presente nos dois filmes. Como vê a tortura e como eliminá-la no Brasil? (quinta às 08:18)



(Marcus Fidélis) - Você destacou a necessidade de profissionalização das polícias brasileiras e mencionou que em vários países suas estruturas são paramilitares ou militares. Como avalia essas questões num país como o nosso, em que a corrupção subverte até as hierarquias e ainda há tortura?

No Brasil, convivem diversas polícias com mecanismos de controle distintos, treinamentos distintos, salários distintos, culturas organizacionais distintas. Somente o controle externo, da sociedade e do Ministério Público, pode trazer transparência e profissionalização. As polícias precisam ser cobradas, exigidas, criticadas, avaliadas, comparadas. Somente desta maneira poderão abandonar práticas como corrupção e tortura.


Entrevista -Fogo Cruzado - Páginas Negras, Trip 182, outubro de 2009.


O Verdadeiro Capitão Nascimento Fala com Luiz Alberto Mendes, mais de 31 anos de cadeia.




(...)


Você já classificou os policiais como truculentos, corruptos ou omissos. Em quais categorias você se encaixava?


Pimentel: Fui truculento e omisso, não mas não fui corrupto.


Truculento como?


Pimentel: Não assumo tortura. Não vou falar sobre esse assunto. Mas você entenda o que quiser, até pela minha negativa em falar do assunto.


Isso já é uma resposta.


Pimentel: Pra bom entendedor é uma resposta, lógico. Fui truculento. Não com preso na cadeia, mas com prisioneiro na favela.


Batia?


Pimentel: Isso tá incluído na outra pergunta, bater é tortura.


Você concorda com uma frase do seu livro que diz “em alguns casos, nem toda tortura é tortura”?


Pimentel: Concordo. Olha, o policial desce da favela com seis fuzis. Alguém acha que ele falou: “Meu filho, você está preso”. E o preso responde: “Então vou buscar mais cinco fuzis pro senhor”. Não é para fugir da responsabilidade, mas, se você pergunta se já torturei, digo que o Estado brasileiro tortura. Você já andou de camburão, Mendes?


Mendes: Orra! Pra caramba.


Pimentel: Então, quando o policial coloca sete presos na caçapa.


Mendes: É tortura.


Pimentel: Lógico. Quando enfiam mais de cem presos numa cela, é tortura. O delegado é torturador, o promotor que não correu atrás pra acabar com aquilo é torturador. Tem que colocar tudo no mesmo saco. O governador e o juiz dormem o sono dos justos, mas o policial que coloca o bandido no saco é que é o filho da puta.


Deixando o Estado de lado e partindo para a questão mais pessoal: como a tortura toca você pessoalmente?



 
Pimentel: Toda vez que se pega um torturador, se esquece que por trás dele tem uma estrutura cínica, organizada, feita pra tortura. Acho uma covardia a individualização da tortura.


Torturar não é covardia?


Pimentel: Hoje, acho covardia sim.


É possível uma polícia sem tortura?


Pimentel: É, se você investir milhões em inteligência e em tecnologia.

Mendes, você já foi torturado, né?



Mendes: Muitas vezes, desde pequeno. Fui pela primeira vez pro pau de arara com 14 anos. Queriam descobrir os caras que compravam a mercadoria que a gente roubava. Depois de maior de idade, queriam saber dos assaltos, dos companheiros, essas coisas.


Como eram as torturas?


Mendes: Ah, depende. Quando fui preso aos 19 anos, estavam com raiva porque baleamos dois policiais. Três parceiros fugiram, e os caras queriam pegar eles de qualquer jeito. Me penduraram no pau de arara todo amarrado, sem roupa, com o cu pra cima. Aí começa: batem com cassetete, dão choque. Amarravam um fio no meu pau, enfiavam outro no cu e giravam a manivela da maquininha de choque. Fiquei três meses e meio apanhando quase todo dia. Não conseguia mais comer, não conseguia mais dormir.


Pimentel: Caralho.

Mendes: Ainda batiam com uma palmatória de ferro nas unhas, assim de frente, para encravar na pele. Meu pé ficava uma bola, inflamado. Até hoje minhas unhas são encravadas. Penduravam um pneu no pescoço pra sufocar, enfiavam na boca um pano sujo de graxa ou um punhado de sal. Você se caga, se mija.

(...)

15 dezembro, 2010

Guerrilha do Araguaia: Saiu a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Ontem, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tornou pública a sua histórica sentença no caso Gomes Lund e outros ("Guerrilha do Araguaia") Vs. Brasil.


 Trailer do filme Guerrilha do Araguaia: as Faces Ocultas da História, de 2007

O  Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM-RJ) e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo (CFMDP-SP) atuam na representação das vítimas e de seus familiares nesta ação. Em comunicado conjunto divulgado ontem à noite destacaram que (grifei):

A Corte Interamericana determinou que as vítimas do presente caso foram desaparecidas por agentes do Estado. A sentença estabelece que o Brasil violou o direito à justiça, no que se refere à obrigação internacional de investigar, processar e sancionar os responsáveis pelos desaparecimentos forçados em virtude da interpretação prevalecente da Lei de Anistia brasileira, a qual permitiu a total impunidade deste crimes por mais de 30 anos.

A Corte determinou que esta interpretação da Lei de Anistia, reafirmada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, contraria o Direito Internacional. Nas palavras da Corte: “As (aquelas) disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso (Araguaia)”.

Assim, a Corte requereu que o Estado remova todos os obstáculos práticos e jurídicos para a investigação dos crimes, esclarecimento da verdade e responsabilização dos envolvidos. Também, o Tribunal reafirmou o alcance geral de sua decisão exigindo que as disposições da Lei de Anistia, que impedem as investigações penais, não possa representar um obstáculo a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos.

Leia, abaixo, as íntegras do comunicado e da sentença.

Veja mais:
Vídeos do julgamento da Lei de Anistia pelo STF em 29.04.10

Vídeos do julgamento da Lei de Anistia pelo STF em 28.04.10
Voto do relator no julgamento da Lei de Anistia pelo STF
Discurso do Senador Pedro Simon, anterior ao julgamento
Mídia brasileira ocultava Caso Garzón?
Coletânea de artigos e declarações anteriores ao julgamento do processo no STF
Blog do filme Guerrilha do Araguaia: As Faces Ocultas da História
Comunicado Sentença Araguaia




sentença Araguaia CIDH

18 setembro, 2010

Anistia Internacional - Comunidade impedida de ter acesso a pesquisa sobre agrotóxico

Dia 22 é a última data sugerida pela AI para envio de apelos pedindo providências das autoridades argentinas neste caso:




No sábado, 7 de agosto, os ativistas da comunidade de La Leonesa, uma pequena cidade localizada em uma área de produção de arroz em grande escala no Departamento de Chaco, foram assistir a uma palestra que seria ministrada pelo professor Andrés Carrasco, um cientista e médico da Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires. Uma delegação de dois deputados provinciais, um ex-funcionário público e membros da comunidade vizinha de Resistencia também chegou a La Leonesa para ouvir a palestra. A pesquisa do professor Andrés Carrasco, concluída em 2009, destacou os efeitos negativos em embriões do glifosato, um agrotóxico comumente utilizado.

Ao chegar a La Leonesa por volta das 16h00, a delegação dirigiu-se para a escola onde seria dada a palestra. No entanto, a palestra foi suspensa porque a delegação foi agredida por um grupo de cerca de 100 pessoas que os ameaçava e surrava. Uma pessoa, atingida na coluna, ficou com as penas paralisadas, e outra passa por exames neurológicos depois de ser golpeada na cabeça. O ex-subsecretário provincial de Direitos Humanos, Marcelo Salgado, foi atingido no rosto ficando inconsciente. Dr. Carrasco e seu colega fecharam-se num carro, e foram cercados por pessoas que faziam ameaças violentas, esmurrando o carro por duas horas. Os membros da comunidade ficaram feridos e equipamentos de um jornalista foram danificados.

Os membros da comunidade que testemunharam o incidente responsabilizaram  as autoridades pelo ataque, bem como um produtor de arroz e seus trabalhadores e guardas de segurança. Acreditam firmemente que a violência foi engendrada por eles, e motivada por poderosos interesses econômicos por trás da agroindústria do lugar. Apesar dos apelos às autoridades locais, os policiais foram lentos em reagir e não enviaram reforços suficientes para acabar com a violência.

Clique aqui para saber como enviar seu apelo


24 agosto, 2010

Hélio Bicudo na Faculdade de Direito da UFG

Ontem deveria ter acontecido mais uma operação questionável na área de segurança pública: a operação integração, vulga operação limpeza, já passados um ano e meio da ilegal operação legalidade.

Violação de direitos, grupos de extermínio: cada vez mais aspectos da realidade de Goiás lembram os anos 70, em plena ditadura militar.

Coincidentemente, ontem também o jurista, político e ativista dos direitos humanos Hélio Bicudo deixou o hospital onde convalescia desde o dia 11, quando sofrera um AVC (acidente vascular cerebral).

Hélio Bicudo notabilizou-se pela coragem com que chefiou a equipe que desbaratou o Esquadrão da Morte que atuava em São Paulo, no início da década de 70, integrado, entre outros, por agentes da repressão.

Considerando a similaridade entre a gravidade da situação que já se vivia em 2007 e os anos de chumbo, ele foi o principal convidado do seminário Segurança Pública e Democracia, realizado na Faculdade de Direito da UFG, em 29 de novembro daquele ano.

Em março deste ano, ao divulgar a audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legistativa do Estado de Goiás, lembrei sua vinda a Goiânia.

cartaz do seminário (clique sobre a imagem para ampliá-la)



A despeito da relevância da palestra e do debate que se seguiu, foi pequeno o público presente. Felizmente, quase tudo foi gravado em vídeo, cuja disponibilização ao público coincide com a notícia de que ele passa bem.

Esta primeira versão contém sua palestra e os comentários que fez no debate. A versão completa será disponibilizada após a autorização dos demais participantes:


Segurança Pública e Democracia - Hélio Bicudo na UFG from NAJUP UFG on Vimeo.




Memória:

Em 2007, diante da gravidade da situação que já se vivia, denunciada inclusive em artigos do procurador da república aposentado Deusimar Rolim e do promotor de justiça Haroldo Caetano, aconteceu também na Faculdade de Direito da UFG seminário para tratar da violência, com a presença do procurador de justiça aposentado e ex-deputado federal Hélio Bicudo.

O Secretário de Segurança pública confirmou sua presença ( inclusive em nota no site do órgão), mas não compareceu. Do Ministério Público, apesar do apoio do órgão - autorização para incluir suas logomarcas e para afixação de cartazes no prédio da sua sede, esteve presente apenas o Dr. Haroldo Caetano. Três semanas antes membros do MP e outros profissionais da área haviam lotado o Cine Lumière para uma sessão com debate do filme Tropa de Elite , promovida pela instituição.

30 abril, 2010

Anistia - Vídeos do julgamento pelo STF em 29.04.10

1. O voto da ministra Cármen Lúcia, pelo indeferimento da ação, e a primeira parte do voto do ministro Ricardo Lewandowski, em favor do pleito da OAB:




2.Continuação do voto do ministro Ricardo Lewandowski, que abriu divergência, e opinou pelo deferimento do pedido e o voto do ministro Ayres Britto na mesma linha:



3. Os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Marco Aurélio pelo indeferimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153:



4.Primeira parte do voto do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), pelo indeferimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153:



5.Segunda parte do voto do ministro Celso de Mello e a íntegra do voto do ministro Cezar Peluso:

Anistia: Dormem em paz os torturadores de ontem e de hoje

Por Luciano Martins Costa, no programa Observatório no Rádio de hoje:

Ação entre amigos

(clique aqui para ouvir)


A decisão do Supremo Tribunal Federal, de rejeitar, por sete votos a dois, o pedido de revisão da Lei da Anistia, encaminhado pela Ordem dos Advogados do Brasil, é tema de primeira página em todos os jornais de circulação nacional.

Promulgada em 1979, a lei consolidava um acordo que viria a permitir a retirado do poder dos chefes militares que se sucediam na presidência da República desde 1964.

Com o desgaste do regime, os ideólogos da ditadura impuseram à oposição consentida da época um acordo de esquecimento em troca da reabilitação de cidadãos cujos direitos políticos haviam sido cassados por força dos atos institucionais.

A decisão do STF vai na contramão do entendimento das cortes internacionais, que não aceitam a anistia de crimes contra a humanidade.

Na época, era comum a imprensa se referir à “sociedade civil organizada” como referência da opinião pública que contava – ou aquele conjunto de forças políticas que negociava com os militares um final sem traumas para o regime que desmoronava.

Foi a segunda ditadura mais longa do período na América Latina, apenas mais curta do que o regime cubano.

Centenas de pessoas foram mortas e desapareceram nos órgãos de repressão, milhares foram perseguidos e o arcabouço institucional do Brasil virou de pernas para o ar.

Ainda hoje o país enfrenta sequelas daquele período autoritário.

Uma delas é o temor de ajustar as contas com a História.

A imprensa, que foi parte influente nesse acordo, sempre se recusou a vasculhar os crimes da ditadura.

Muitos dos políticos que apoiaram o regime militar se tornaram personagens diletos do noticiário e fontes de opinião de jornais e revistas.

O jogo do poder segue sendo partilhado pelas mesmas forças que articularam a anistia e a reorganização institucional que se seguiu.

A mesma “sociedade civil organizada” conduziu, na década seguinte, a Constituição que viria a compor o arcabouço legal do Brasil redemocratizado.

Na época em que se deu essa negociação, quase metade da população brasileira vivia em condições de pobreza, ocupada com a própria sobrevivência, e, por isso, alienada das decisões políticas.

Os acordos da chamada “sociedade civil organizada” contemplavam os interesses da outra metade.

O Brasil mudou desde então.

Grande parte daqueles que eram os excluídos forma agora a nova classe média, a fatia predominante na sociedade.

Esses devem acompanhar com estranheza a decisão do STF, como se estivesse acontecendo em um país estrangeiro.

É nessas famílias que recai a herança violenta da ditadura, por meio da truculência policial que restou das escolas de tortura.

Os torturadores do tempo da ditadura podem dormir em paz, sem medo da Justiça.

Assim como dormem em paz os torturadores e assassinos dos tempos democráticos.

29 abril, 2010

Anistia - Vídeos do julgamento pelo STF em 28.04.10

O STF acaba de disponibilizar no Youtube os seis vídeos da sessão de ontem:

1.Com as exposições do relator da ADPF, ministro Eros Grau, do representante da OAB, Fábio Konder Comparato e dos representantes da Associação Juízes para a Democracia e do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), entidades que ingressaram no feito como amici curiae (amigos da Corte).



2. Com a exposição da representante da Associação Democrática e Nacionalista de Militares (ADNAM), entidade que ingressou no feito como amicus curiae (amigo da Corte) e os pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR), pela improcedência da ação, e a exposição da representante do Congresso Nacional, que pediu ao Supremo que não acolha a ADPF.



3. Com a decisão, por 8 votos a 1, do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) de analisar o mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153. O posicionamento da Corte foi tomado antes de o relator do processo, ministro Eros Grau, passar a analisar o mérito do processo.



4. Com a primeira parte do voto ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153.



5. Com a segunda parte do voto ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau.



6.Com o final do voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau, pela manutenção da Lei nº Lei 6.683/1979, a Lei da Anistia, como está escrita atualmente.

28 abril, 2010

Anistia - do voto do relator

Estava impossível assistir ao primeiro dia do julgamento da ADPF 153, pela TV Justiça, via internet. Depois de tantos autoelogios nos últimos dias, foi um fiasco para a emissora. Aparentemente, não se prepararam para o volume de acessos mais que previsível.

A transmissão foi toda truncada. Só consegui assistir a partes das sustentações de Fábio Konder Comparato, Helena de Souza Rocha e Vera Karan de Chueiri. De Pierpaolo Cruz Bottini, nada. Partes também do Procurador Geral da República, do Advogado Geral da União e do Ministro Eros Grau.

De tudo o que falou o relator, o que mais me impressionou foi um precedente que buscou no Estado Novo, num julgado de 1942, três anos antes de começarem os Julgamentos de Nuremberg ( aos quais se referiu o senador Pedro Simon - veja texto anterior) e o inacreditável comentário que fez logo após (negritos meus):


Outro ponto a considerarmos --- e isso diz imediatamente com estes autos --- encontra-se no Recurso em Habeas Corpus n. 28.294, Relator o Ministro Philadelpho de Azevedo, de 1942, cuja ementa é a seguinte: “Estão incluídos na anistia ampla outorgada pelo decreto n. 19.395 de 1930 em relação aos crimes políticos e militares e aos conexos com estes os delitos atribuídos a policiais de um Estado cometidos na perseguição de grupos sediciosos que se movimentavam no sertão”. Tratava-se de fatos ocorridos em 1926. Cleto Campelo, tenente revoltoso, partiu de Jaboatão, com um grupo de revolucionários, pretendendo incorporar-se à Coluna Prestes. Em Gravatá morto em combate Cleto Campelo, seguiram os demais, sob o comando de Valdemar de Paula Lima, até que, perseguidos a partir de Limoeiro por uma força irregular integrada por policiais da Força Pública do Estado de Pernambuco, caíram em uma emboscada. Valdemar de Paula Lima e dois dos seus demais companheiros foram então brutalmente assassinados, com requintes de crueldade, sangrados a punhal. Três policiais foram denunciados por esses homicídios em janeiro de 1931. Após longa tramitação dos autos foi negada a aplicação da anistia do decreto n. 19.395 aos acusados. Esta Corte o fez. Colho, no voto do relator, o Ministro Philadelpho de Azevedo, o seguinte trecho: “A medida devia, assim, alcançar aos que se envolveram direta ou indiretamente, [sic] em movimentos revolucionários, tanto
de um lado, como de outro, sendo inútil desmontar as peças de textos de largo alcance social para apurar se o mesmo fato constituiria crime político ou crime militar, ou ainda conexo com qualquer deles”. Concedeu-se o habeas corpus por unanimidade. Há momentos históricos em que o caráter de um povo se manifesta com plena nitidez. Talvez o nosso, cordial, se desnude na sucessão das frequentes anistias concedidas entre nós.

Anistia - Enquanto o Supremo não decide... 4- Imperdível - Discurso de Pedro Simon

Em discurso no Senado na segunda-feira, o senador Pedro Simon explicita a dimensão do julgamento de hoje no STF .




Trechos (grifos meus - veja íntegra no Jornal Já ou clique aqui para assistir ao vídeo do discurso - 24 minutos):


O que pede a OAB é simples: que o STF interprete o Artigo 1° da Lei da Anistia, declarando, de forma clara e definitiva, que a Anistia não se aplica aos crimes comuns praticados por agentes da repressão durante o regime militar que manteve o país sob ditadura entre 1964 e 1985.

Tortura, assassinato e desaparecimento forçado são crimes de lesa-humanidade, imprescritíveis, conforme tratados internacionais assinados pelo Brasil e nunca colocados em prática aqui dentro.

São crimes que não podem, portanto, ser objeto de anistia ou auto-anistia.
Não são crimes políticos e nem conexos, e assim não podem se nivelar às punições dadas a tantos brasileiros que, condenados às prisões ou ao exílio, acabaram beneficiados em 1979 pela Lei de Anistia que os abrigava.

Lei nenhuma, porém, no Brasil ou no mundo, acolhe a tortura, ou a reconhece.
O Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou criminalmente os homens que se excederam na ditadura, torturando e matando.
Ao longo de 21 anos de regime autoritário, vicejou aqui um sistema repressivo estimado em 24 mil agentes que, por razões políticas, prendeu cerca de 50 mil brasileiros e torturou algo em torno de 20 mil pessoas – uma média de três torturas a cada dia de ditadura. Que não foi branda, nem curta, nem clemente.
(...)

É por isso que, até hoje, um ou outro criminoso de guerra nazista ainda é caçado e preso, embora tenha 80 ou 90 anos de vida. Não é pelo prazer da caça, mas pelo dever moral que a civilização tem de lembrar a todos que os seus crimes não se apagam, não se perdoam.
(...) Os juízes [ do Tribunal de Nuremberg] negaram o argumento da defesa que eles [os 18 principais chefes do Reich] apenas “cumpriam ordens”.
O juiz americano Francis Biddle fulminou esta tese com uma frase imortal: “Os indivíduos têm deveres internacionais a cumprir, acima dos deveres nacionais que um Estado particular possa impor”.
Ficou assim encravado na consciência moral do mundo que todos nós somos responsáveis pelos atos que praticamos. Ninguém é inocente para “cumprir ordens” contra a lei, a moral, a ética e a verdade.
(...)

O historiador americano Edward Peters, professor da Universidade da Pensilvânia, advertiu: “O futuro da tortura está indissoluvelmente ligado ao futuro dos torturadores”.
No berço da tortura não punida nasceu a impunidade da violência não resolvido do Brasil, antes na ditadura, agora na democracia.
Ou seja, a impunidade do torturador acaba garantindo a perenidade da tortura e de sua filha dileta, a violência.
O Brasil que evita punir ou sequer apontar seus torturadores acaba banalizando a violência que transborda a ditadura e vitimiza o cidadão comum em plena democracia, principalmente nas duas maiores capitais, São Paulo e Rio.




27 abril, 2010

Anistia - Enquanto o Supremo não decide... - 3 - Mídia brasileira está ocultando Garzón?

No primeiro artigo desta série, fiz remissão a vários artigos e vídeo tratando do assunto, entre eles a nota da Associação Juízes pela Democracia em apoio ao juiz espanhol Baltazar Garzón, publicada no Blog do Fred.

Lembrei que caso o STF adote os pareceres da Procuradoria da República e da AGU, para que tudo continue como está, o país continuará sendo a solitária exceção a não julgar os criminosos das ditaduras implantadas entre os anos 60 e 70. Julgamentos que tiveram na atuação de Garzón um estímulo fundamental, quando pediu a extradição de Pinochet.

Hoje, em artigo no Observatório da Imprensa, Alberto Dines trata em profundidade da atuação de Garzón e do movimento que se instalou na Espanha e no resto do mundo em sua defesa, elucidando os interesses que movem a direita espanhola contra o juiz. Destaca a ausência do caso na mídia brasileira explicando as razões, que explicam também o desinteresse pela votação de amanhã:

A mídia européia e americana solidarizou-se com Balta Garzón: para o New York Times, The Guardian, The Economist, o Liberation e Le Monde investigar os desaparecimentos durante a Guerra Civil não é delito, delito é perseguir um juiz que vai às últimas conseqüências em busca da verdade.

O cerco a Garzón dificilmente empolgará nossa mídia e não apenas por causa do embargo da Opus Dei nativa, mas porque o recente imbróglio em torno do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) foi resolvido com um acordo entre as partes: o governo retira do programa os itens que desagradam à mídia e esta não insiste na reabertura das investigações sobre as violências cometidas pelos órgãos de segurança durante o regime militar.

Pela gravidade da questão, Dines conclama seus leitores à ação:

Escreva ao seu jornal ou revista, caro leitor. Cobre deles um mínimo de informações sobre a perseguição a Baltasar Garzón. Você tem esse direito. Pergunte por que razão o cidadão brasileiro deve ser narcotizado pelas irrelevâncias e mantido à margem das trepidações que estão mudando o mundo.

20 abril, 2010

Anistia - Enquanto o Supremo não decide... - 2 - Atualizado

Na semana passada o STF adiou o julgamento da ação proposta pela OAB sobre o alcance da Lei de Anistia.

Enquanto isso, matéria no El País de amanhã informa que, na Argentina, o último ditador do regime militar foi condenado a 25 anos de prisão:

Condenado a 25 años de prisión el último presidente de la dictadura argentina

A Reynaldo Bignone, de 82 años, se le imputa la desaparición de 30.000 personas y el robo de 500 bebés


Un tribunal de Buenos Aires ha condenado a 25 años de prisión al dictador argentino Reynaldo Bignone, el último presidente de la dictadura militar (1976-1983), por delitos de lesa humanidad cometidos en el mayor centro clandestino de detención del régimen de facto, Campo de Mayo. Se le imputa la desaparición de más de 30.000 personas y el robo de unos 500 bebés cuyas madres fueron obligadas a dar a luz en centros de detención clandestinos.

(clique aqui para ler a íntegra)


Matérias em jornais argentinos (clique nos títulos para ler a íntegra):

Crítica de la Argentina:

CRÍMENES DE LESA HUMANIDAD

Bignone, el último dictador, fue condenado a 25 años de cárcel común

El fallo, emitido por el Tribunal Oral Federal 1 de San Martín, halló al ex presidente de facto culpable por delitos cometidos en Campo de Mayo. En su alegato final el condenado dijo que sus enemigos "no eran ni demasiado jóvenes ni idealistas" y que "fue una guerra".


CONDENARON A BIGNONE POR CRÍMENES DE LESA HUMANIDAD

Abuelas: el fallo fue "ejemplar" porque se trata de gente "sin sentimientos"

Estela de Carlotto dijo que la pena de 25 años de prisiónLa organización que ella preside es candidata al Nobel de la Paz 2010. En tanto, el secretario de DD.HH. se mostró "muy satisfecho". para el último dictador argentino fue "bastante fuerte" y celebró que Bignone deba cumplirla en una cárcel común.


LO INFORMÓ EL COMITÉ NORUEGO

Abuelas de Plaza de Mayo, candidatas al premio Nobel de la Paz 2010

La entidad de DD.HH. inició su actividad en 1977 y restituyó la identidad de 101 jóvenes apropiados.



Página 12:

8:14 › CONDENA PARA EL ULTIMO DICTADOR

Bignone deberá pasar 25 años en una cárcel común

El tribunal Oral Federal 1 dictó sentencia en el juicio por crímenes cometidos en el centro clandestino de detención y tortura que funcionó en la guarnición militar de Campo de Mayo. El último presidente de facto de la dictadura, Reinaldo Bignone, fue condenado a 25 años de prisión, al igual que el ex jefe del Departamento de Inteligencia de Campo de Mayo, Exequiel Verplaetsen, y el ex jefe del Comando de Institutos Militares de esa guarnición militar, Santiago Omar Riveros. "Que fue una guerra nadie puede ponerlo en duda", había dicho Bignone para justificar su accionar, al brindar su último alegato. El secretario de Derechos Humanos de la Nación, Eduardo Luis Duhalde, y la presidenta de Abuelas de Plaza de Mayo, Estela de Carlotto, se mostraron conformes con el fallo y destacaron la labor del tribunal.


CONDENARON A VEINTICINCO AñOS AL EX PRESIDENTE DE FACTO REYNALDO BIGNONE Y OTROS REPRESORES

Primera noche en una cárcel común

El último presidente de la dictadura militar, el ex general Reynaldo Bignone, fue condenado como coautor de medio centenar de privaciones ilegales de la libertad y torturas, cometidas en Campo de Mayo en 1977.



NINGUNO DE LOS CONDENADOS EXPRESO ARREPENTIMIENTO

“La destrucción de mi querido Ejército”

Ni arrepentimiento, ni perdón, ni información. Los imputados que hicieron uso de sus últimas palabras reivindicaron la represión ilegal y citaron frases de Perón para justificar el terrorismo de Estado. “Nos vemos obligados a soportar las fotos de las supuestas víctimas”, puso en duda Reynaldo Bignone en referencia a los desaparecidos, que no le quitaban los ojos de encima desde sus retratos en blanco y negro. El dictador criticó sin nombrarlo al general Martín Balza por su autocrítica y al Centro de Militares por la Democracia por su apoyo a los juicios. “Es preferible una condena al repudio de los camaradas”, blanqueó su escala de valores.


Atualização em 21.04: acrescentei as notícias dos jornais argentinos.

11 abril, 2010

Anistia - Enquanto o Supremo não decide...

Na última segunda-feira, dia 8, Frederico Vasconcelos publicou, em seu blog, o manifesto da Associação Juízes pela Democracia e do Movimento do Ministério Público Democrático do Brasil, em apoio ao juiz espanhol Baltazar Garzón.

No mesmo dia, um pouco mais tarde, noticiou que o STF julgará na quarta-feira, dia 14, a ação proposta pela OAB em outubro de 2008 em que "trata-se de saber se houve ou não anistia dos agentes públicos responsáveis, entre outros crimes, pela prática de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores políticos ao regime militar (1964/1985)". A Procuradoria da República e a AGU deram pareceres para que tudo continue como está.

Se for esta a decisão do STF, o país continuará sendo a solitária exceção a não julgar os criminosos das ditaduras implantadas entre os anos 60 e 70. Julgamentos que tiveram na atuação de Garzón um estímulo fundamental, quando pediu a extradição de Pinochet.

Enquanto aguardamos pelo STF, é uma boa oportunidade para conhecer um pouco mais a respeito do assunto:

1) Sobre o clima de "entendimento" que vivia o país à época, a entrevista do general Newton Cruz, chefe da Agência Central do SNI entre 1977 e 1983 ( a lei é de 1979), no programa Dossiê Globonews de ontem;

2) Sobre os acontecimentos nos períodos imediatamente anterior e posterior à aprovação da lei, a o material disponibilizado pela Folha sobre o governo Figueiredo, publicado à época da eleição de 2002 ( a lei é de agosto de 1979 e o AI-5 tinha sido revogado 8 meses antes, em 31 de dezembro de 1978), destacando-se os atentados promovidos pela linha dura do regime;
- Sobre os atentados à OAB, à Câmara Municipal e a um jornal, no Rio de Janeiro, em agosto de 1980.

3) Sobre como o passado não resolvido se reflete na continuação do uso da tortura no presente, tendo como vítimas os pobres, artigo de Maria Inês Nassif, no Valor;

4) No mesmo sentido, trecho do comunicado da Anistia Internacional, por ocasião da divulgação do Plano Nacional de Direitos Humanos:

O ponto central do novo programa é a importante inclusão do direito à memória e à verdade, com a promessa da formação de uma comissão para apurar e divulgar os crimes contra os direitos humanos cometidos pelo regime militar do país.

A Anistia Internacional afirmou que espera que esta comissão venha a finalmente alinhar o Brasil aos outros países da região, que há muito tempo se esforçam para julgar os responsáveis por crimes como desaparecimento, tortura e execução extrajudicial, assegurando assim que as famílias das vítimas gozem do direito à reparação.

O legado de impunidade de crimes passados contra os direitos humanos perdura nos relatórios diários de mortes causadas pela polícia e casos de tortura que hoje caracterizam o sistema de justiça criminal do Brasil.



5) Trecho do comunicado do Human Rights Watch, de abril do ano passado, logo após decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Guerrilha do Araguaia:

(Washington, DC) - O Brasil deve investigar e levar a julgamento as violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura de 1964-1985 após uma decisão judicial histórica, afirmou a Human Rights Watch hoje. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos afirmou que anistias e prescrições não se aplicam a crimes de lesa-humanidade cometidos durante a ditadura militar no Brasil.

A conclusão da comissão, anunciada em 8 de abril de 2009, é a primeira decisão internacional relacionada aos abusos cometidos durante a ditadura militar no Brasil (1964 a 1985). A petição que deu origem à decisão foi enviada por familiares de 70 pessoas desaparecidas durante operações militares contra o movimento comunista de guerrilha do Araguaia nos anos 70.

"O Brasil não promoveu julgamentos e nem mesmo instaurou uma comissão da verdade para apurar os crimes muito graves que foram cometidos, e está atrasado em relação a outros países da região no que diz respeito à responsabilização por abusos do passado", disse José Miguel Vivanco, diretor da divisão das Américas da Human Rights Watch. "Quase um quarto de século já se passou desde a transição para a democracia. As vítimas e suas famílias já esperaram demais por justiça."

6) Trecho de palestra de Noam Chomsky em Stuttgart, na Alemanha, em 23 de março, em tradução minha:

Cuba à parte, a praga do terror de estado no hemisfério ocidental foi iniciada com o golpe brasileiro em 1964, instalando o primeiro de uma série de Estados de Segurança Nacional neonazistas e iniciando a praga da repressão sem precedentes no hemisfério, sempre fortemente apoiada por Washington, e por esta razão uma forma particularmente violenta de terrorismo internacional de direcionamento estatal. A campanha era em grande medida uma guerra contra a Igreja [em função do Concílio Vaticano II, iniciado em 1962]. Foi mais que simbólico que ela tenha culminado com o assassinato de seis destacados intelectuais latino americanos, padres jesuítas, em novembro de 1989, alguns dias após a queda do Muro de Berlim. Eles foram assassinados por um batalhão de elite salvadorenho, recentemente treinado na Escola de Forças Especiais John F. Kennedy , na Carolina do Norte. Como se soube em novembro último, mas aparentemente não despertou interesse nenhum, a ordem para os assassinatos foi assinada pelo chefe de governo e seus assessores, todos eles tão próximos do Pentágono e da Embaixada Americana que se torna ainda mais difícil imaginar que Washinton não tivesse conhecimento dos planos deste batalhão modelo.
7) De Jânio de Freitas, sobre a ameça de demissão dos ministros militares, no início do ano, após a divulgação do Plano Nacional de Direitos Humanos, tratando especificamente da anistia;

8) Trecho de artigo de Luiz Cláudio Cunha, repleto de dados históricos, também sobre a crise do fim do ano passado:

Na antevéspera do Natal, quando já bimbalhavam os sinos, o presidente Lula ouviu em seu gabinete um tropel distante. Não eram as renas do bom velhinho. Era o som metálico dos cascos das montarias de seu ministro da Defesa e dos chefes das Forças Armadas, em marcha batida para emparedar o presidente na mais grave crise militar da República desde 1977, quando o presidente Ernesto Geisel demitiu o então ministro do Exército Sylvio Frota, num gesto implacável e temerário para conter o radicalismo da linha-dura do regime – que no espaço de três meses matou, sob torturas, o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Filho no DOI-CODI do II Exército, em São Paulo.

Desta vez ocorre o contrário. Os comandantes militares é que tentam enquadrar o presidente da República, ameaçando uma demissão coletiva contra o decreto presidencial que cria a Comissão Nacional da Verdade, destinada a investigar violações de direitos humanos e casos de tortura durante a ditadura militar (1964-1985).

Durante duas décadas, um aparato repressivo estimado em 24 mil agentes prendeu por razões políticas cerca de 50 mil brasileiros e torturou algo em torno de 20 mil pessoas – três a cada dia.



8) Entrevista com Fábio Konder Comparato, um dos signatários da petição da OAB no STF, à Carta Capital - primeira e segunda partes.

9) Trailer e blog de Guerrilha do Araguaia, as faces ocultas da história, filme de produção goiana, exibido em rede nacional pelo programa DocTV, infelizmente não lançado em DVD.