26 dezembro, 2010

Rodrigo Pimentel: além do Face a Face - Tortura



Confira,  abaixo,  a pergunta que formulei a Rodrigo Pimentel no Face a Face,  publicado na edição de ontem (25/12), de O Popular, sobre  a  conivência com a tortura,  que subverte a hierarquia e a disciplina policiais. 

Reproduzi a pergunta original,  feita no Facebook, a versão editada pelo jornal  e a resposta de Pimentel, e, logo depois,  trecho da entrevista dele à revista TRIP, edição de outubro de 2009, em que trata do mesmo assunto com mais detalhe.

(veja também o artigo anterior e o posterior, publicados em conjunto com este) 





Facebook -No debate, você destacou a necessidade de profissionalização das polícias brasileiras e mencionou que em vários países suas estruturas são militares ou paramilitares. Esses modelos se fundamentam na hierarquia e disciplina, que são subvertidos quando há a conivência com práticas ilegais, como mostra o filme em relação à corrupção, com os comandados se impondo aos seus supostos comandantes. No entanto, a tortura é admitida, com o "saco" presente nos dois filmes. Como vê a tortura e como eliminá-la no Brasil? (quinta às 08:18)



(Marcus Fidélis) - Você destacou a necessidade de profissionalização das polícias brasileiras e mencionou que em vários países suas estruturas são paramilitares ou militares. Como avalia essas questões num país como o nosso, em que a corrupção subverte até as hierarquias e ainda há tortura?

No Brasil, convivem diversas polícias com mecanismos de controle distintos, treinamentos distintos, salários distintos, culturas organizacionais distintas. Somente o controle externo, da sociedade e do Ministério Público, pode trazer transparência e profissionalização. As polícias precisam ser cobradas, exigidas, criticadas, avaliadas, comparadas. Somente desta maneira poderão abandonar práticas como corrupção e tortura.


Entrevista -Fogo Cruzado - Páginas Negras, Trip 182, outubro de 2009.


O Verdadeiro Capitão Nascimento Fala com Luiz Alberto Mendes, mais de 31 anos de cadeia.




(...)


Você já classificou os policiais como truculentos, corruptos ou omissos. Em quais categorias você se encaixava?


Pimentel: Fui truculento e omisso, não mas não fui corrupto.


Truculento como?


Pimentel: Não assumo tortura. Não vou falar sobre esse assunto. Mas você entenda o que quiser, até pela minha negativa em falar do assunto.


Isso já é uma resposta.


Pimentel: Pra bom entendedor é uma resposta, lógico. Fui truculento. Não com preso na cadeia, mas com prisioneiro na favela.


Batia?


Pimentel: Isso tá incluído na outra pergunta, bater é tortura.


Você concorda com uma frase do seu livro que diz “em alguns casos, nem toda tortura é tortura”?


Pimentel: Concordo. Olha, o policial desce da favela com seis fuzis. Alguém acha que ele falou: “Meu filho, você está preso”. E o preso responde: “Então vou buscar mais cinco fuzis pro senhor”. Não é para fugir da responsabilidade, mas, se você pergunta se já torturei, digo que o Estado brasileiro tortura. Você já andou de camburão, Mendes?


Mendes: Orra! Pra caramba.


Pimentel: Então, quando o policial coloca sete presos na caçapa.


Mendes: É tortura.


Pimentel: Lógico. Quando enfiam mais de cem presos numa cela, é tortura. O delegado é torturador, o promotor que não correu atrás pra acabar com aquilo é torturador. Tem que colocar tudo no mesmo saco. O governador e o juiz dormem o sono dos justos, mas o policial que coloca o bandido no saco é que é o filho da puta.


Deixando o Estado de lado e partindo para a questão mais pessoal: como a tortura toca você pessoalmente?



 
Pimentel: Toda vez que se pega um torturador, se esquece que por trás dele tem uma estrutura cínica, organizada, feita pra tortura. Acho uma covardia a individualização da tortura.


Torturar não é covardia?


Pimentel: Hoje, acho covardia sim.


É possível uma polícia sem tortura?


Pimentel: É, se você investir milhões em inteligência e em tecnologia.

Mendes, você já foi torturado, né?



Mendes: Muitas vezes, desde pequeno. Fui pela primeira vez pro pau de arara com 14 anos. Queriam descobrir os caras que compravam a mercadoria que a gente roubava. Depois de maior de idade, queriam saber dos assaltos, dos companheiros, essas coisas.


Como eram as torturas?


Mendes: Ah, depende. Quando fui preso aos 19 anos, estavam com raiva porque baleamos dois policiais. Três parceiros fugiram, e os caras queriam pegar eles de qualquer jeito. Me penduraram no pau de arara todo amarrado, sem roupa, com o cu pra cima. Aí começa: batem com cassetete, dão choque. Amarravam um fio no meu pau, enfiavam outro no cu e giravam a manivela da maquininha de choque. Fiquei três meses e meio apanhando quase todo dia. Não conseguia mais comer, não conseguia mais dormir.


Pimentel: Caralho.

Mendes: Ainda batiam com uma palmatória de ferro nas unhas, assim de frente, para encravar na pele. Meu pé ficava uma bola, inflamado. Até hoje minhas unhas são encravadas. Penduravam um pneu no pescoço pra sufocar, enfiavam na boca um pano sujo de graxa ou um punhado de sal. Você se caga, se mija.

(...)

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