12 abril, 2009

Política Cultural em discussão - 3 - A lei Goyazes

Desde 2005, procurei através dos estudos e artigos aqui publicados esclarecer aspectos das ações do governo estadual na cultura.

Em confronto com a prática de acatar acriticamente as declarações dos gestores públicos, usei dados divulgados pela Agepel ou obtidos dela através do Ministério Público para tratar da concentração de suas contratações em alguns artistas, da construção do Centro Cultural Oscar Niemeyer, da distribuição de seu orçamento e mostrar o passo-a-passo na execução de um evento ( incluindo o uso de Oscip como intermediária).

As leis de incentivo seriam meu último assunto ( além da Goyazes, os programas Fomentar e Produzir também incluíam em suas contrapartidas o apoio a projetos culturais). Minha intenção era confrontar os dados da Agepel ( gestora da Goyazes) com os da Secretaria da Fazenda ( que autorizava os patrocínios), os da CELG ( maior patrocinadora, aparentemente) considerando ainda a concorrência do programa Proesporte (o Fomentar e o Produzir eram geridos pela Secretaria de Indústria e Comércio). Em dezembro de 2005 fiz uma primeira tentativa de obter esses dados, mas só em 2007, com a intervenção do Ministério Público, os obtive.

Infelizmente, não consegui concluir a empreitada, mas tendo em vista que o fórum discutirá esse tema amanhã, aproveito para tornar públicas essas informações, para subsidiar as discussões e também para que eventuais interessados possam desenvolver trabalhos a partir delas.

Começando pelos informações da Secretaria da Fazenda, que obtive em abril de 2007 (relação dos patrocínios pela Lei Goyazes e pelo Proesporte de 2005 a março de 2007).

(Para ler o relatório em tela cheia, clique no botão mais à direita, sobre a janela)

Lei Goyazes e Proesporte -2005 a março de 2007


Essas informações são esclaredoras sobre algumas das críticas históricas à Lei Goyazes, abordadas na reportagem de Edson Wander (veja o artigo anterior):

1) A concorrência do próprio governo com os artistas e produtores, usando-a para projetos próprios;
2) Os critérios usados na avaliação dos projetos pelo Conselho Estadual de Cultura;
3) A dificuldade para captação, devido à complexidade do mecanismo adotado para o incentivo;
4) Para os que ainda assim conseguissem captar, o reduzido limite máximo mensal que poderia ser destinado a projetos aprovados pela lei.

As informações da SEFAZ também servem para jogar luz sobre outras duas questões não abordadas na reportagem: o conflito de interesses em ter integrantes do primeiro escalão da Agência como beneficiários diretos ou indiretos de projetos e a concorrência do Proesporte.

De imediato, as informações da Secretaria da Fazenda confirmam ser mera questão semântica a declaração da Agepel de que não usava a lei em projetos próprios (logo em seguida à reportagem de O Popular eu já lembrara que a informação não procedia).

Projetos próprios talvez não, mas do seu interesse, sim. Para isso, nem o limite mensal de captação ( "mesada", segundo o então presidente da Agetur, Marcelo Sáfadi, num ofício a que tive acesso), era respeitado: o projeto poderia ser considerado "extra-mesada".

O caso mais notório de projeto prejudicado pelo rigor na observação do limite é mencionado na reportagem de Edson Wander: foi a 10ª edição do Festival Goiania Noise, que precisou cancelar a sua maior atração, a banda MC5, embora já tivesse o patrocinador . No dia 21 de outubro os produtores divulgaram um comunicado, explicando a razão do cancelamento (só a Folha de São Paulo já tinha publicado duas matérias sobre a vinda da banda).

O mesmo rigor não existia para os projetos de interesse do governo. Isso fica evidente nos patrocínios concedidos pela CELG: em maio de 2005, a "mesada" era de R$ 150 mil, mas a empresa patrocinou 7 vezes mais que isso "extra-mesada"- R$ 1,15 milhão; em junho, "mesada" de R$ 140 mil, "extra-mesada" da CELG R$ 427 mil; em agosto, "mesada "de R$ 140 mil, "extra-mesada" da CELG R$ 494 mil; em setembro, "mesada" de R$ 133 mil, "extra-mesada"da CELG R$ 204 mil; em outubro, "mesada" de R$ 121 mil, "extra-mesada"da CELG R$ 243 mil; em janeiro de 2006, "mesada" de R$ 150 mil, "extra-mesada"da CELG R$ 200 mil; em fevereiro, "mesada"de R$ 113 mil, "extra-mesada"da CELG R$ 300 mil; em abril, "mesada" R$ 144 mil, "extra-mesada" da CELG R$ 204 mil; em julho, "mesada" de R$ 318 mil, "extra-mesada" de R$ 300 mil. Em maio de 2006, uma particularidade: a mesada era de R$ 147 mil, e o "extra-mesada" da CELG, de R$ 100 mil, era um projeto de Fernando Perillo, integrante da cúpula da Agepel .

O pico do "extra-mesada" ocorreu em maio de 2005. Deveu-se a outro ponto abordado na reportagem de O Popular: o patrocínio a Dois Filhos de Francisco, o filme campeão de bilheteira sobre a dupla Zezé de Camargo e Luciano. Na reportagem seu valor era estimado em R$ 600 mil. A relação da SEFAZ mostra que foi bem maior: R$ 869 mil. Em abril de 2006 , numa entrevista ao Jornal Opção, o presidente da Agepel contou (ao falar sobre a inclusão de uma música sua na trilha do filme), como surgiu o interesse do governo pelo projeto:

Quando estivemos em São Paulo para assistir a entrega do Prêmio Juca Pato para Gilberto Mendonça Teles, Marconi se encontrou com Zezé di Camargo e Luciano. Ele me ligou, eu já estava no aeroporto, me perguntando por quais canais Goiás poderia ajudar o filme. Expliquei que deveria ser pela Lei de Incentivo à Cultura.


O único mês em que outras empresas além da CELG compuseram o "extra-mesada", foi março de 2006 ( R$ 118 mil, para "mesada de R$ 136 mil).

A concorrência desigual do Proesporte também fica evidente: em fevereiro de 2005, o mecanismo incentivou R$ 33 mil, mas em novembro já tinha atingido R$ 204 mil.

A relação da SEFAZ têm, no entanto, um problema, que confirmei depois confrontando-a com dados da CELG. O patrocínio que aparece pode não ter se efetivado naquele mês. No caso de Dois Filhos de Francisco, por exemplo, embora constem os R$ 869 mil em maio de 2005, teriam sido pagos apenas R$ 600 mil ( o valor mencionado por O Popular), daí aparecerem novamente R$ 269 mil em agosto do mesmo ano. Os R$ 100 mil do projeto de Fernando Perillo, registrados em maio de 2006, só foram liberados em 2007, como já mostrei.

Tratarei da CELG no próximo artigo.

3 comentários:

  1. Voce se confundiu quando citou o documento que leu da Agetur que fala de mesada. A mesada, na época citada, era um duodécimo do valor de custeio para o ano, que não incluía a realização de eventos. Para sua curiosidade informo que o valor da Agetur pra todas as despesas correntes era de 40.000 por mês ( o que nunca teve a ver com limite de captação como cita no seu texto). Quando queriamos realizar algo dentro da "mesada" tinhamos que economizar nas despesas para fazer. Mas pelos valores que voce cita perceber-se que administramos poucos recursos.

    Marcelo Safadi

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  2. Caro Marcelo, agradeço pelo esclarecimento. Acabo de publicar um outro artigo onde faço a correção, o sétimo desta série. Desculpe não fazer o link, mas o comentário não tem este recurso.

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  3. Legal! Como é bom ver que a Celg, uma empresa quebrada, sem dar aumento aos seus empregados, sem dinheiro para investimento e devendo fornecedores fomenta a "cultura".
    Isso é um absurdo! Onde está o Ministério Público? Esse povo tem que ir para cadeia por dilapidar o patrimônio do povo goiano em nome da cultura!

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