Relatos estarrecedores foram ouvidos ontem na audiência pública sobre índices de violência e homicídios realizada pela Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Assembléia Legislativa, presidida pelo deputado Mauro Rubem (PT). Familiares de vítimas, professores, membros de organizações religiosas e entidades civis discorreram sobre vários casos, envolvendo principalmente policiais militares que foram ouvidos por representantes do Ministério Público Estadual, da Polícia Civil, da Ordem dos Advogados do Brasil - seção Goiás, representantes dos Governos Estadual e Municipal e do ouvidor da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH), Firmino Fecchio.
O Comando Geral da Polícia Militar de Goiás não enviou representante à audiência pública, fato bastante comentado pelos presentes por se tratar de um fórum de discussão envolvendo muitos de seus integrantes. Da mesma maneira, diversos participantes consideraram histórico o afastamento de suas funções dos prováveis envolvidos no homicídio de Higino Carlos Pereira de Jesus, 24 anos, e no desaparecimento de Pedro Nunes de Brito, de 24, e Cleiton Rodrigues, 16, ocorridos em fevereiro no município de Alvorada.
Na audiência pública, a irmã de Pedro, a contadora Antônia Nunes, relatou o drama da família que nunca mais teve notícias do rapaz levado, segundo ela, por um carro caracterizado do Grupo de Patrulhamento Tático (GPT) quando pescava num rio junto com Cleiton. Embora familiares tenham peregrinado por todas as delegacias de municípios vizinhos, até agora não há notícias sobre o paradeiro dos dois. “Não entramos no mérito se ele é culpado ou não, mas não cabe a um policial fardado decidir quem deve morrer. Quando somos agredidos por um bandido chamamos a polícia e quando é o contrário?”, questionou Antônia.
Outro depoimento que chamou a atenção foi do coronel PM Abigail Alves, hoje vereador em Formosa, cidade sede do 16º Batalhão da PM comandado até terça-feira pelo major Ricardo Rocha, um dos afastados do cargo a pedido do MP. O vereador lamentou os relatos envolvendo a corporação onde, segundo ele, existem pessoas sérias e comprometidas, mas ampliou as estatísticas dos horrores. O Cel. Abigail Alves contou que vários episódios de supostas trocas de tiros em Formosa nos últimos meses, com quase dez vítimas, não estão sendo investigados. “Uma das vítimas sobreviveu para contar o que passou e o policial envolvido foi enviado para a Força Nacional”.
O vereador relatou o encontro que teve nesta terça-feira com um fazendeiro da região de Formosa. “Ao ficar sabendo do afastamento dos policiais, ele comentou que agora vão ter de fazer uma caixinha para contratar pistoleiros para executar os ladrões de gado da região”. Ao POPULAR, o major Ricardo Rocha admitiu que se reuniu no dia 25 de janeiro com fazendeiros da jurisdição do 16º Batalhão para discutir a questão da segurança no meio rural.
Uma professora do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Girassol, unidade da Secretaria de Saúde de Goiânia, que atende crianças e adolescentes dependentes de crack, chorou ao contar que policiais militares já amarraram e arrastaram um adolescente usuário. “Eles confundem usuário com traficante. Sabemos que os PMs estão usando máquinas para fotografar os menores prometendo matar depois”.
Pelo menos quatro músicos contaram na audiência o que viveram na Avenida Araguaia, em Goiânia, no último carnaval. Depois de se apresentarem, eles preparavam os instrumentos para deixar o palco quando foram surpreendidos por uma fileira de policiais militares cercando o local com o apoio de outros sobre cavalos. “Eles usaram cavalos, spray de pimenta e cassetes para dispersar o público. Me colocaram numa viatura algemado e queimaram meu dedo com isqueiro”, contou um deles. A intimidação, conforme os músicos, começou logo depois da meia-noite sem nenhum motivo aparente. No 1º Distrito Policial eles tiveram dificuldades para registrar ocorrência. “A polícia é preparada para nos reprimir?”, perguntou um músico.
Coordenador do Centro de Apoio Operacional (CAO) Criminal do MP, José Carlos Miranda Nery Júnior admitiu que o MP tem sido falho na agilidade da punição de envolvidos em crimes. “Mas estamos fazendo tudo no sentido de fazer valer o direito do cidadão”. O promotor prometeu enviar para a casa de cada uma das pessoas que relatou fatos na audiência ofícios relatando o andamento das investigações.
Ouvidor da Presidência da República, Firmino Fecchio criticou enfaticamente a atuação da Polícia Civil goiana, em especial no caso de Luziânia onde vários jovens desapareceram sem deixar pistas. “Em Goiás há dois Estados, um é o próprio Estado é o outro é da Polícia”, disse Firmino. O ouvidor sugeriu uma mudança de estratégia por parte da população civil, orientando familiares para que reunam o maior número de dados possível, o que ajudaria no acompanhamento das ocorrências. “Temos de fazer a dor e a resistência virar esperança e justiça”, sugeriu.
Atualização, em 16.03.10:
Em nova matéria, na sexta-feira, dia 12 (íntegra abaixo), a PM justificou seu não comparecimento - não teria sido convidada. Não fora possível ouvir o deputado Mauro Rubem - que estava viajando - para checar a informação. No entanto, segundo comentário feito à versão original deste artigo (v. caixa de comentários), a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, consultada após a publicação da matéria, teria afirmado que o convite fora feito sim, por fax:
No dia seguinte saiu uma justificativa da policia, alegando não ter comparecido pois não foi convidada. Chequei a informação junto `a Comissão dos Direitos Humanos e fui informada que eles foram convidados, sim.Via fax.
PM diz que não foi convidada para debate
Malu Longo
O chefe do Setor de Comunicação Social da Polícia Militar de Goiás, tenente coronel Sérgio Katayama, informou ontem ao POPULAR que a corporação não foi convidada a participar da audiência pública sobre violência policial realizada na terça-feira, no Auditório Costa Lima, da Assembleia Legislativa, por iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Casa. Durante a audiência, que contou com a presença do ouvidor da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Firmino Fecchio, vítimas, familiares de vítimas, organizações religiosas e da sociedade civil relataram vários casos de violência envolvendo policiais militares.
Representantes do Ministério Público Estadual, da Polícia Civil e o próprio ouvidor Firmino Fecchio, lamentaram a ausência de um representante da Polícia Militar no evento. De acordo com Katayama, caso tivesse sido convidada, a PM estaria presente para ouvir os relatos e prestar os esclarecimentos. “Gostaríamos de ter participado, mas nenhum membro do Comando Geral foi convidado”, comentou. Presidente da Comissão de Direitos Humanos, o deputado Mauro Rubem (PT) não foi localizado para comentar o assunto. Ele está em Diadema (SP) onde foi conhecer a experiência da guarda municipal.
Marcus,
ResponderExcluirParabéns! Excelente!
Obrigado, Deolinda. Acabo de ver a capa do Popular de hoje. Não deixe de ler.
ResponderExcluirMarcus,
ResponderExcluirParabéns.
Fica mesmo no ar a indagação dos motivos pelos quais a matéria não foi editada inteira. No dia seguinte saiu uma justificativa da policia, alegando não ter comparecido pois não foi convidada. Chequei a informação junto `a Comissão dos Direitos Humanos e fui informada que eles foram convidados, sim.Via fax.
Li a matéria de hoje, gostei. E sobre a audiência da quarta-feira, me causou um grande estranhamento a ausência de TODOS os deputados da casa. Estamos em ano de eleições. Será que o assunto da audiência, pela sua relevência não causou interesse em nenhum deles? Será que dá pra votar em quem não se interessa em assistir uma audiência que apresentava denúncias da maior importância para toda a sociedade, e da qual os ilustres parlamentares não teriam trabalho nem ao menos de se deslocar,já que a mesma aconteceu no prédio onde todos trabalham? Ou não trabalham?
@ Anônimo:
ResponderExcluirTenho lido o site da Assembleia, e não me lembro de ter visto uma resposta da comissão, ou do deputado, à afirmação da polícia de que não fora convidada, o que é surpreendente, considerando sua informação.
Estive na audiência, e como você, também estranhei que nenhum outro deputado, nem mesmo os outros membros da Comissão de Direitos Humanos, tenha comparecido. O usual é que mesmo não assistindo a tudo, passem pelo auditório e fiquem por algum tempo, para que seja registrada sua presença.
Para uma parte dos deputados, notória, a questão é de convicção.Mas e os demais?
Estão aí duas questões que reclamam notas oficiais as explicando.