28 setembro, 2011

CNJ na berlinda - leitura dinâmica



 Manchete no Globo e no Estadão, a provável restrição ao poder de investigação e punição a magistrados pelo CNJ, pauta de hoje no STF, foi analisada em dois excelentes artigos, um publicado hoje mesmo, em O Globo, e outro há um mês, na Folha ( ao final, abaixo).
Já no Observatório da Imprensa (O debate tardio na imprensa) , Luciano Martins Costa lamenta a falta de cobertura mais aprofundada e há mais tempo da crise instalada no Judiciário em decorrência da divergência de posições.  É elucidador ao tratar da indignação do presidente do CNJ e do STF com  trecho da entrevista da corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, à Associação Paulista de Jornais:
 A frase do ministro Peluso, segundo o qual a acusação da corregedora-geral ofende a idoneidade e a dignidade de todos os magistrados, é apenas retórica. Como sabem os jornalistas, o excesso retórico é sintoma de desonestidade intelectual e esse é apenas um dos problemas na cobertura da maior crise de que se tem notícia no sistema judiciário.
A íntegra da entrevista havia sido reproduzida no Blog do Fred (Interesse Público), editado pelo  jornalista Frederico Vasconcelos, da Folha de São Paulo, que inclusive  entrevistara recentemente a  corregedora nacional na TV UOL e onde aspectos da polêmica vem sendo discutidos há tempos. Curiosamente, desde ontem não consigo acessar o blog, talvez por excesso de demanda. Os posts de ontem podem ser lidos, alternativamente, no portal do próprio CNJ, assim como a cobertura dos jornais de hoje .



O GLOBO | OPINIÃO (7),  28 de Setembro de 2011.


O dano está feito

JOAQUIM FALCÃO

O dano está feito. De repente o Judiciário mudou sua pauta. Em vez de combater o nepotismo, extinguir adicionais salariais, estabelecer metas de desempenho, implantar digitalização e estimular a conciliação, a pauta é outra. É aumento de salários, brigas públicas, judicialização de conflitos internos. É incrível a capacidade do Judiciário de destruir sua legitimidade. De abalar a confiança dos cidadãos. Durante mais de 15 anos, impacientes com o nepotismo e a lentidão, a sociedade, o Executivo e o Congresso defenderam o controle externo do Poder Judiciário.



O país se mobilizou. O Judiciário foi contra. Negociou-se a criação do CNJ, o controle de juízes, feito por uma maioria de juízes, com representantes de outros setores. O CNJ resulta deste acordo. É um contrato entre Congresso, Executivo, sociedade civil e o próprio Judiciário, a favor da ética e da eficiência judiciais. Hoje, a Associação dos Magistrados Brasileiros pressiona o Supremo para romper unilateralmente este contrato.

Querem retirar o poder do CNJ de julgar e punir os juízes como manda a Constituição. Pretende-se transformar o CNJ em conselho honorário. Não mais uma responsabilidade democrática. Este objetivo político reveste-se de argumentos aparentemente constitucionalizados, mas no fundo contrários à Constituição. O contrato político que criou o CNJ foi formalizado no artigo 103 B da Constituição, que concede ampla competência ao CNJ para receber qualquer reclamação contra os juízes, sem nenhuma condição. Qualquer do povo pode ir ao CNJ. Não precisa ir antes ao Tribunal local, como quer a AMB. O Congresso deu ampla competência até para de ofício apurar irregularidade. Pode agir por iniciativa própria sem nem mesmo ter denúncia de terceiros. Esta ampla competência constitucional é garantia da própria magistratura.

O CNJ a exerce com parcimônia. Agora, alguns pretendem extinguir o CNJ, deixando-o vivo. Lembro-me de Plutarco, quando disse: a pior das justiças é aquela que é injusta, mas parece justa. O pior CNJ é aquele que inexiste, mas parece existir. O ataque é indireto. Inexiste um só dispositivo na Constituição que diretamente fundamente a decisão de, em nome da autonomia do tribunal, limitar-se o CNJ. A autonomia dos tribunais não é absoluta. Na democracia não há autonomias absolutas. Ao aprovar a emenda 45, que criou o CNJ, o Congresso disse claramente que seus poderes são compatíveis com os dos tribunais. O próprio Supremo, ao confirmar a constitucionalidade do CNJ em 2005, também. A encruzilhada levada ao Supremo é falsa. A competência do CNJ não é incompatível com a das corregedorias dos tribunais.

Uma não elimina a outra. São concorrentes, como afirma Ayres Britto. Na democracia, quanto mais controle a favor da ética e da eficiência, melhor. A demanda é política e corporativa . Foi derrotada ontem, quer ressuscitar hoje. A decisão do Supremo não é sobre a morte em vida do CNJ. É sobre valores éticos e sociais. Estão em jogo a concretização da imparcialidade no julgar e a liberdade do cidadão de ir contra os poderosos do momento. Como exigir de um advogado processar um desembargador no mesmo tribunal, a quem mais tarde terá de recorrer no exercício de sua profissão? Onde e como estes valores — a imparcialidade no julgar e a liberdade de denunciar irregularidades — podem melhor ser concretizados: nas corregedorias locais ou no CNJ? Ou nas duas, concorrentemente?

O dano está feito. As consequências da nova pauta serão maior atrito entre os poderes. Entre os magistrados e os demais profissionais jurídicos. Uma mídia mais atenta e investigativa em denúncias. Mobilização congressual. Confiança decrescente na Justiça. O CNJ de alguma maneira apaziguava. Tinha alguém imparcial atento a favor da ética e da eficiência. E agora?


JOAQUIM FALCÃO é professor de Direito Constitucional da FGV-Rio.
 



Folha de São Paulo, 28.08.11


Um conselho que incomoda muita gente

MARIA TEREZA SADEK


O Conselho Nacional de Justiça incomoda e precisa de nossa proteção para que não seja transformado em mais um órgão burocrático e ineficiente



Após um longo debate e uma série de propostas, a reforma do Poder Judiciário aprovada em 2004 foi uma resposta à crise da Justiça. O remédio encontrado para afastar os tumores sem matar o corpo foi a criação de um sistema nacional de controle, denominado Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Essa solução está hoje ameaçada por propostas que pretendem acabar com o papel de fiscalização e investigação exercido pelo CNJ. Há quem pretenda subverter, por meio de um exercício interpretativo no mínimo controverso, uma das principais reformas aprovadas em nossa Constituição.
Órgão ainda jovem, a partir de 2008, por iniciativa do então ministro corregedor-geral Gilson Dipp, o conselho começou a realizar inspeções e audiências públicas em diversas unidades do Judiciário, tornando transparente aos olhos da opinião pública o que gerava odor podre em um corpo que necessita ser saudável tanto para a consolidação do regime democrático como para o fortalecimento dos direitos individuais e coletivos.
Ao assumir a Corregedoria Nacional de Justiça em setembro de 2010, em postura pouco comum aos nossos administradores, a ministra Eliana Calmon não só manteve a política de transparência de seu antecessor como ainda procurou aprimorá-la por meio de parcerias com Receita Federal, Controladoria-Geral da União, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), tribunais de contas e outros órgãos de controle.
A fiscalização, assim, foi se mostrando cada vez mais eficiente e, por isso mesmo, mais incômoda.
Um conselho assim incomoda e muito, sobretudo os interesses corporativos, que, relembremos, não convenceram o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 3.367-1, que afirmou a constitucionalidade do CNJ, registrando, inclusive, no voto condutor, a inoperância de muitas das corregedorias locais, o que todos já sabíamos.
Perplexos com a faxina levada a efeito pela Corregedoria Nacional de Justiça, os interesses contrariados reabrem a discussão do tema, tentando a todo custo fazer prevalecer o entendimento de que o CNJ só pode punir juiz corrupto após o julgamento do tribunal local.
Era assim no passado, e o Poder Judiciário foi exposto a uma investigação no Parlamento exatamente porque não fez esse dever de casa, e nada nos garante que o fará sem a atuação firme e autônoma do CNJ.
Nesse momento, a vigilância é mais do que sinal de prudência. É imperiosa e sobressai como dever de todos os que aceitam o desafio de aprimorar a Justiça. Políticas voltadas ao combate à impunidade se deparam com resistências.
Não por acaso são criados fatos e elaboradas teses capazes de ludibriar os inocentes e provocar retrocessos que causarão prejuízos irreparáveis ao Brasil.
Um conselho criado justamente porque os meios de controle existentes até a década passada eram ineficazes e parciais não pode ter a sua atuação condicionada ao prévio esgotamento dos meios de que os tribunais há muito tempo dispõem e que, na prática, pouco ou nunca utilizaram para corrigir os desvios de seus integrantes.
A tese de que a competência do CNJ é subsidiária, e, assim, somente pode ser exercida após a constatação de que os tribunais de origem foram inertes ou parciais, interessa tão somente àqueles que depositam suas fichas no jogo do tempo, da prescrição e do esquecimento.
O CNJ incomoda e precisa de nossa proteção para não ser transformado em mais um órgão burocrático e ineficiente.


MARIA TEREZA SADEK, doutora em ciência política, é professora do Departamento de Ciência Política da USP e diretora de pesquisa do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais.

Um comentário:

  1. A MAGISTRATURA ESTÁ MOSTRANDO O QUE É. EM PRINCÍPIO, APARECE COMO SUA DEUSA, DE OLHOS VEDADOS, COM UMA BALANÇA E UMA ESPADA. PESANDO JUSTAMENTE E CORTANDO ONDE TIVER DE CORTAR. DOA A QUEM DOER. TODAVIA, AGORA, NÃO É MAIS ESSE O PENSAMENTO FILOSOFICO DE JUSTIÇA, PORQUE A PREOCUPAÇÃO É COM ESTATUS, DINHEIRO, POSIÇÃO SOCIAL, VAIDADE PESSOAL, INTERESSE DE CLASSE, TÍPICO DE SINDICATO DE TRABALHADOR. TAL SITUAÇÃO, COMPROMETE O ESTADO DE DIREITO E A DEMOCARACIA, JÁ QUE O OS MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO, NÃO SÃO SINDICALIZADOS, MAS SIM AJUSTE DE UM PODER. O QUE ESTÁ ACONTECENDO, SINCERAMENTE, É UMA VERGONHA. O JUDICIÁRIO DEIXOU DE SUA NOBRE FUNÇÃO, PARA SE INTERESSER EM PROTEÇÃO DE CLASSE, TIPICO COMO JÁ SE FALAOU DE SINDICATO. PORTANTO, DEVERÁ O STF CRIAR AGORA UM SINDICADO DE MAGISTRADOS E ASSIM SE EQUIPARARÁ A OUTROS TANTOS QUE EXISTEM.

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