A seguir, o artigo de Deire Assis,
publicado ontem na versão impressa de O Popular mas não incluído na versão online.
Nós também não esquecemos, Graça
Deire Assis*
Sinto uma aflição enorme desde que histórias de desaparecimento de jovens e adolescentes do Entorno de Brasília começaram a ser divulgadas pela imprensa. Como poderão essas famílias conviverem com a dúvida, com a pergunta sem resposta, com o sumiço sem rastro, com a saudade sem medida possível e sem dia pra acabar?
Quando as primeiras reportagens sobre o misterioso desaparecimento dos meninos de Luziânia começaram a ser publicadas, lembrei-me logo do rosto de uma mulher com quem conversei há quase três anos: Maria das Graças Soares Lucena Rodrigues, a Graça. Ou melhor e mais apropriado, lembrei-me da mãe do Murilo. Porque foi nisso que Graça se resumiu há cinco anos, quando mostrou a todos que não desistiria de procurar pelo filho dela. O menino desapareceu após ser visto pela última vez numa abordagem feita por policiais da Rotam. Ele tinha só 12 anos na época.
Aquela tarde de 21 de abril de 2007, um sábado de plantão, era o dia anterior ao aniversário de dois anos do desaparecimento de Murilo. Eu estive na casa de Graça porque ela organizava para o dia seguinte uma celebração para lembrar a outros (porque ela, Graça, nunca precisará ser lembrada de nada) o que experimentara naqueles dois primeiros anos de silêncio e dor. A mãe do Murilo chorou como se o garoto tivesse desaparecido um dia antes, há dois dias, uma semana, um mês. Nada cicatrizara. Eu tentei entender. Mas por mais que eu tentasse, jamais conseguiria. Tamanha dor não é pra ser entendida. Desaparecer é pior que morrer, porque não há ponto final.
Naquele dia, em meio ao relato de suas esperanças, contou-me que o quarto do menino permanecia como da última vez que ele estivera lá. Na parede, as medalhas. Num canto, as chuteiras. No guarda-roupa, tudo do jeito que ele deixara. Como que à espera de que o filho entrasse pela porta no instante seguinte, confidenciou-me: “Estou sempre mexendo nas roupas dele, colocando no sol um pouquinho para não mofar.” (!) “No começo, minha esperança era encontrá-lo vivo. Depois de dois anos, eu quero apenas encontrá-lo, seja onde e como for. É muito difícil viver nessa ilusão”, resignou-se Graça ao final daquela entrevista.
Outros quase três anos se passaram desde aquele dia. E o menino de 12 anos já teria, hoje, 17. Por certo estaria se preparando para o vestibular, namorando. Essa semana, por ocasião da cobertura jornalística dos casos de desaparecimento dos meninos de Luziânia, a repórter Rosana Melo, de Cidades, conversou com Maria das Graças. "Não achei que alguém lembrasse disso, além de mim", disse ela, em entrevista à jornalista do POPULAR
[veja o artigo abaixo]. A mãe de Murilo tem razões para pensar assim. De fato, muita gente se esqueceu da sua tragédia. Os policiais envolvidos na abordagem no dia do desaparecimento de Murilo foram absolvidos. Acusados de homicídio e ocultação de cadáver, a Justiça entendeu que não havia provas para condená-los porque não há corpos enterrados em nenhum lugar (além do adolescente, desapareceu, no mesmo dia, Paulo Sérgio Rodrigues, de 21 anos).
Que o destino das mães de Luziânia e de seus filhos seja diferente do de Maria das Graças e Murilo.
www.twitter.com/deireassisMãe luta há 5 anos para esclarecer desaparecimento de Murilo Soares ( O Popular, 28.01.10)
Rosana Melo
Prestes a completar cinco anos do desaparecimento do estudante Murilo Soares Rodrigues, a mãe dele, Maria das Graças Soares Lucena Rodrigues luta para que o caso não caia no esquecimento e fique impune. “Não achei que alguém lembrasse disso, além de mim”, contou, emocionada, ao POPULAR.
Ela ainda mantém o quarto do filho intacto, na esperança de um dia ter uma notícia sobre o paradeiro dele. “É algo impossível, mas ainda assim eu espero. Sofro demais, tomo remédio controlado e faço tratamento com uma psicóloga para aguentar essa dor”, relata Maria das Graças.
Atualmente, Graça, como é conhecida, trabalha em uma creche a convite de uma amiga. “Não tem como retomar a vida. Me sinto muito triste. Atualmente, ele teria 17 anos”, lembra.
Murilo desapareceu quando tinha 12 anos, juntamente com Paulo Sérgio Rodrigues, de 21 anos, quando trafegava no carro do pai pela Avenida Tapajós, na Vila Brasília, em Aparecida de Goiânia. O carro, um Palio, foi abordado por uma equipe das Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam) e nunca mais os dois foram vistos.
Cinco policiais chegaram a ser julgados por homicídio e ocultação de cadáver, mas foram absolvidos por falta de materialidade dos crimes, já que os corpos nunca foram encontrados. O processo é avaliado pelo Tribunal de Justiça.
Graça acredita na Justiça, apesar de não ter ouvido falar mais de providências legais para investigar o desaparecimento do filho. “Muita gente me ajudou nessa luta, mas atualmente ninguém lembra do caso. Estou sozinha nessa luta”, lamentou.
Murilo é um dos adolescentes desaparecidos em Goiás cujo caso nunca foi solucionado pela polícia.
Parabens para voces, Deire Assis, Rosana Melo, que vão escrevendo sobre estes crimes, que não podem ser esquecidos, e para voce, Marcus Fidelis, que vai divulgando em seu blog.
ResponderExcluirAs pessoas que fazem estas loucuras de matar, desaparecer e torturar pessoas, não se limitam a um só caso, mas repetem-nos muitas vezes e, numa destas, eles vão deixar uma pista e uma prova. Não podemos perder a esperança. Não só de que eles sejam julgados e presos, mas que a punição devida possa ajudar a desencorajar outros de fazer o mesmo, e o mundo possa ser melhor.
Pe. Geraldo Marcos Labarrère Nascimento, jesuita, diretor da Casa da Juventude Pe. Burnier