23 setembro, 2008

Wall Street- Park Lozandes, via Avenida Goiás

Crise bancária americana e eleições em Goiânia. Aparentemente, nada a ver. Mas não é bem assim.

O derretimento dos bancos americanos foi conseqüência da desregulamentação dos mercados. Em 1999 foi alterada a legislação que desde 1933 estabelecia uma barreira entre bancos comerciais e bancos de investimento , afrouxando os controles sobre eles
( leia mais aqui ). Menos de dez anos e muitos bons negócios depois, o crash e a tentativa de socializar os prejuízos, usando dinheiro público. Em Goiânia, estamos na fase dos bons negócios. Mas isso não está na campanha eleitoral. Deveria.

Trânsito e transporte coletivo (além da saúde) são os grandes temas abordados na propaganda eleitoral. Há um problema, porém: a cidade mostrada nos programas não existe mais. Há quase um ano e três meses ela desapareceu, desde que circulou a edição de 26 de junho de 2007 do Diário Oficial do Município - em que foi publicado o novo Plano Diretor de Goiânia. As propostas apresentadas não levam isso em consideração. Esse tema está ausente da campanha. Permanece um ilustre desconhecido pela população. No entanto, é ele que faz a ponte entre Wall Street e o Park Lozandes, passando pela Avenida Goiás.


O fundamento do novo Plano Diretor de Goiânia é o mesmo da legislação que levou ao crash americano: a desregulamentação. As conseqüências até aqui, idênticas: muitos bons negócios já feitos, sendo fechados ou em perspectiva. A euforia. Os riscos futuros, também: o prejuízo coletivo com a perda da qualidade de vida. Lucros privados, prejuízos públicos. Como chegamos a isso?


O plano diretor, passo a passo

Para a discussão do Plano Diretor, foi instituída uma comissão paritária, com cinco representantes do Executivo (Secretaria Planejamento do Município - SEPLAM) e cinco do Legislativo (vereadores de diversos partidos). As reuniões da comissão aconteciam fora da Câmara (na Avenida Goiás) e da Prefeitura (no Park Lozandes), em um outro local, e dela participavam também representantes do Fórum Empresarial.


Desta comissão saiu o substitutivo ao projeto originalmente elaborado pela SEPLAM e encaminhado pelo prefeito. Na SEPLAM, o processo já nasceu com baixas. Um dos maiores especialistas em planejamento urbano em atividade na cidade, ao ver barrada sua participação na elaboração do projeto, pediu a aposentadoria.


As questões mais polêmicas foram deixadas para a legislação ordinária, também a ser encaminhada através de substitutivos propostos da mesma forma (como por exemplo, a referente ao Estudo de Impacto de Vizinhança, que aguarda votação do veto do prefeito).


Voto no escuro


Como resultado desse encaminhamento, os vereadores votaram o Plano Diretor sem ver seus anexos. Um deles - fundamental - só foi visto numa reunião da comissão, apresentado por um funcionário da SEPLAM. Trata-se do mapa que contém a distribuição pela cidade das áreas onde poderá ser aplicada a outorga onerosa e também o IPTU progressivo.


Indulgências


Os dois instrumentos, previstos no Estatuto da Cidade e introduzidos em Goiânia pelo novo Plano Diretor, poderão alterar brutalmente a paisagem da cidade. A outorga permite que, pagando um determinado valor à prefeitura, se construa prédios por toda a cidade. No meio imobiliário, já surgiu até a expresssão "comprar o céu". O IPTU progressivo vai taxar pesadamente os proprietários que não construírem, desestimulando que lotes sejam mantidos vazios aguardando sua valorização. Caso a outorga já existisse, por exemplo, o caso da irmã do prefeito, que tem sido a grande polêmica da campanha, talvez nem acontecesse: bastaria à construtora "comprar o céu".


O mapa do tesouro


O valor a ser pago pela outorga não é homogêneo. Existe uma variação no fator aplicado para o cálculo do valor a pagar. O mapa define as áreas onde serão aplicados esses diferentes percentuais para para obter a outorga. Conhecimento precioso. No entanto, desde aquela reunião, ninguém tem notícia deste mapa, nem uma cópia dele. O que não tem impedido os bons negócios:
corretores de imóveis e incorporadores já estão assediando proprietários de lotes em áreas onde antes a verticalização não era permitida e agora liberadas.


Mas se há os bons negócios, existem os problemas. A verticalização dentro dos chamados eixos de desenvolvimento implicará no aumento de adensamento de áreas já ocupadas, mas não preparadas para as demandas geradas pela verticalização.

Há espaços onde a verticalização irá ampliar os transtornos já existentes, não havendo indícios de que o poder púublico efetivamente coordenará essas ocupações, garantindo que as mesmas aconteçam de forma planejada e com respostas já implantadas aos problemas pré-existentes.

Nada disso, no entanto, está na campanha eleitoral, onde aparece uma Goiânia que não existe mais.

Marista: fotografou?

Um bom exemplo do que está acontecendo é o Setor Marista. O bairro é uma das áreas mais tradicionais e nobres da cidade, com elevada qualidade de vida - em boa medida por ter-se mantido a salvo da verticalização. Agora, em sua maior parte, está com o céu à venda. Os corretores não dão sossego aos proprietários, que por sua vez viram seus lotes dobrar de preço.

Abaixo, a área do Mapa do Tesouro relativa ao bairro, que aparece destacado. Em vermelho , a área onde a outorga não é permitida. Em azul, os pontos de referência e alguns dos novos empreendimentos, que chegam a ultrapassar os 30 andares. Não parece difícil perceber o que vem por aí.






Exibir mapa ampliado


Atualização em 28.09.08 - O editorial da edição deste domingo do New York Times faz um retrospecto de todo o processo de desregulamentação que conduziu à crise:

Published: September 28, 2008
The serial bailouts are proof of a colossal regulatory failure. But it is not “the system” that failed. People failed.

E ainda no NYT, um artigo de Tom Wolfe, autor de A Fogueira das Vaidades, explicando onde estão agora os "mestres do universo" - os yuppies milionários descritos em seu livro:

Published: September 28, 2008
With the recent collapse of large investment banks, the author of “The Bonfire of Vanities” answers the question, “Where does this leave the Masters of the Universe now?”








5 comentários:

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  2. Marcus, muito bom!

    É sempre assim mesmo, nem tudo que é bom para o EUA é bom para o Brasil, mas essa mania da 'Disneyficação' de nossas cidades insiste em permanecer como verdades!

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  5. Ótimo, Marcus!

    E aposto que os prédios terão nomes autro-húngaro-germânicos ou franco-ítalo-eslovênios e letras em dourado para aumentar o preço e cativar os compradores. Pobre do trânsito.

    E saber que era uma cidade-jardim...

    []s,
    Pedro - Cidade Toco.
    http://cidadetoco.wordpress.com

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