O derretimento dos bancos americanos foi conseqüência da desregulamentação dos mercados. Em 1999 foi alterada a legislação que desde 1933 estabelecia uma barreira entre bancos comerciais e bancos de investimento , afrouxando os controles sobre eles( leia mais aqui ). Menos de dez anos e muitos bons negócios depois, o crash e a tentativa de socializar os prejuízos, usando dinheiro público. Em Goiânia, estamos na fase dos bons negócios. Mas isso não está na campanha eleitoral. Deveria.
Trânsito e transporte coletivo (além da saúde) são os grandes temas abordados na propaganda eleitoral. Há um problema, porém: a cidade mostrada nos programas não existe mais. Há quase um ano e três meses ela desapareceu, desde que circulou a edição de 26 de junho de 2007 do Diário Oficial do Município - em que foi publicado o novo Plano Diretor de Goiânia. As propostas apresentadas não levam isso em consideração. Esse tema está ausente da campanha. Permanece um ilustre desconhecido pela população. No entanto, é ele que faz a ponte entre Wall Street e o Park Lozandes, passando pela Avenida Goiás.
O fundamento do novo Plano Diretor de Goiânia é o mesmo da legislação que levou ao crash americano: a desregulamentação. As conseqüências até aqui, idênticas: muitos bons negócios já feitos, sendo fechados ou em perspectiva. A euforia. Os riscos futuros, também: o prejuízo coletivo com a perda da qualidade de vida. Lucros privados, prejuízos públicos. Como chegamos a isso?
O plano diretor, passo a passo
Para a discussão do Plano Diretor, foi instituída uma comissão paritária, com cinco representantes do Executivo (Secretaria Planejamento do Município - SEPLAM) e cinco do Legislativo (vereadores de diversos partidos). As reuniões da comissão aconteciam fora da Câmara (na Avenida Goiás) e da Prefeitura (no Park Lozandes), em um outro local, e dela participavam também representantes do Fórum Empresarial.
Desta comissão saiu o substitutivo ao projeto originalmente elaborado pela SEPLAM e encaminhado pelo prefeito. Na SEPLAM, o processo já nasceu com baixas. Um dos maiores especialistas em planejamento urbano em atividade na cidade, ao ver barrada sua participação na elaboração do projeto, pediu a aposentadoria.
As questões mais polêmicas foram deixadas para a legislação ordinária, também a ser encaminhada através de substitutivos propostos da mesma forma (como por exemplo, a referente ao Estudo de Impacto de Vizinhança, que aguarda votação do veto do prefeito).
Voto no escuro
Como resultado desse encaminhamento, os vereadores votaram o Plano Diretor sem ver seus anexos. Um deles - fundamental - só foi visto numa reunião da comissão, apresentado por um funcionário da SEPLAM. Trata-se do mapa que contém a distribuição pela cidade das áreas onde poderá ser aplicada a outorga onerosa e também o IPTU progressivo.
Indulgências
Os dois instrumentos, previstos no Estatuto da Cidade e introduzidos em Goiânia pelo novo Plano Diretor, poderão alterar brutalmente a paisagem da cidade. A outorga permite que, pagando um determinado valor à prefeitura, se construa prédios por toda a cidade. No meio imobiliário, já surgiu até a expresssão "comprar o céu". O IPTU progressivo vai taxar pesadamente os proprietários que não construírem, desestimulando que lotes sejam mantidos vazios aguardando sua valorização. Caso a outorga já existisse, por exemplo, o caso da irmã do prefeito, que tem sido a grande polêmica da campanha, talvez nem acontecesse: bastaria à construtora "comprar o céu".
O mapa do tesouro
O valor a ser pago pela outorga não é homogêneo. Existe uma variação no fator aplicado para o cálculo do valor a pagar. O mapa define as áreas onde serão aplicados esses diferentes percentuais para para obter a outorga. Conhecimento precioso. No entanto, desde aquela reunião, ninguém tem notícia deste mapa, nem uma cópia dele. O que não tem impedido os bons negócios: corretores de imóveis e incorporadores já estão assediando proprietários de lotes em áreas onde antes a verticalização não era permitida e agora liberadas.
Mas se há os bons negócios, existem os problemas. A verticalização dentro dos chamados eixos de desenvolvimento implicará no aumento de adensamento de áreas já ocupadas, mas não preparadas para as demandas geradas pela verticalização.
Há espaços onde a verticalização irá ampliar os transtornos já existentes, não havendo indícios de que o poder púublico efetivamente coordenará essas ocupações, garantindo que as mesmas aconteçam de forma planejada e com respostas já implantadas aos problemas pré-existentes.
Nada disso, no entanto, está na campanha eleitoral, onde aparece uma Goiânia que não existe mais.
Marista: fotografou?
Um bom exemplo do que está acontecendo é o Setor Marista. O bairro é uma das áreas mais tradicionais e nobres da cidade, com elevada qualidade de vida - em boa medida por ter-se mantido a salvo da verticalização. Agora, em sua maior parte, está com o céu à venda. Os corretores não dão sossego aos proprietários, que por sua vez viram seus lotes dobrar de preço.
Abaixo, a área do Mapa do Tesouro relativa ao bairro, que aparece destacado. Em vermelho , a área onde a outorga não é permitida. Em azul, os pontos de referência e alguns dos novos empreendimentos, que chegam a ultrapassar os 30 andares. Não parece difícil perceber o que vem por aí.
Exibir mapa ampliado
Atualização em 28.09.08 - O editorial da edição deste domingo do New York Times faz um retrospecto de todo o processo de desregulamentação que conduziu à crise:
E ainda no NYT, um artigo de Tom Wolfe, autor de A Fogueira das Vaidades, explicando onde estão agora os "mestres do universo" - os yuppies milionários descritos em seu livro:
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ResponderExcluirMarcus, muito bom!
ResponderExcluirÉ sempre assim mesmo, nem tudo que é bom para o EUA é bom para o Brasil, mas essa mania da 'Disneyficação' de nossas cidades insiste em permanecer como verdades!
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ResponderExcluirÓtimo, Marcus!
ResponderExcluirE aposto que os prédios terão nomes autro-húngaro-germânicos ou franco-ítalo-eslovênios e letras em dourado para aumentar o preço e cativar os compradores. Pobre do trânsito.
E saber que era uma cidade-jardim...
[]s,
Pedro - Cidade Toco.
http://cidadetoco.wordpress.com