24 julho, 2010

Niemeyer: o que não entrou no voto do TCE-GO

Aproveitando o ensejo da manifestação de hoje, publico alguns trechos do parecer da Procuradora de Contas Maisa de Castro Sousa Barbosa, do Ministério Público junto ao TCE-GO, de 24 de fevereiro de 2010, no processo em que o tribunal julgou o edital e os termos aditivos do contrato para construção do C.C. Oscar Niemeyer (processo nº 25844776/05) .


São trechos não abordados no voto do relator, que acata em grande parte as sugestões do parecer. Sua leitura esclarece alguns dos itens que constam da ementa, aproveitada parcialmente do parecer, que não foram tratados no acórdão.

O parecer vai muito além do extrapolamento do percentual que poderia ser acrescentado em aditivos, base do voto e do
Acórdão nº 483/2010, de 25 de fevereiro de 2010. Trata juridicamente de vários aspectos, alguns deles já abordados aqui em artigos anteriores. Mostra que não é só o bom senso que foi aviltado neste caso, mas também a legislação.

Os grandes destaques são a falta de planejamento e o desrespeito às leis de Licitações e de responsabilidade Fiscal - pela qual deveria ter sido feita previsão orçamentária não só dos dos recursos para a construção da obra, mas também para sua manutenção em funcionamento nos dois primeiros anos de atividade ( como já
mostrei , em janeiro de 2007 a Agepel não tinha - e suponho que continue não tendo - a menor idéia de quanto isso custaria). A conclusão é pela ilegalidade de todos os atos administrativos analisados.

Abaixo, os trechos do parecer ( na ementa e nas sugestões, em vermelho, o que não foi incluído e em azul o que foi acrescentado no voto do relator). Os grifos são meus :

(base para a ementa)

Contrato e seus Termos Aditivos [celebrados entre a AGETOP e a empresa WARRE-Engenharia e Saneamento Ltda, tendo como objeto a execução dos serviços de [para a ]construção do Centro Cultural Oscar Niemeyer, no valor inicial de R$ 37.430.303,87. Conexão processual não observada - Prejuízo à análise do objeto. Planejamento inadequado da obra. Ausência de licença Ambiental. Ineficiência do Controle Interno. Falta de estimativa do impacto orçamentário - financeiro - art. 16, I, LRF. Limite de acréscimo de serviço (25%) extrapolado. Impossibilidade de realização de novos termos Adtivos para continuidade/ finalização da Obra - Necessidade de Nova Licitação. Manifestação pela ilegalidade do Contrato bem como seus Termos Aditivos firmados extemporaneamente. Aplicação de Multa aos Responsáveis. Recomendações".

(...)

II – FUNDAMENTAÇÃO


Da preliminar de conexão entre os autos 26038285; 26164248; 27753085; 200600047002592; 200400026000406 e 200600038000754.


Preliminarmente, percebe-se que as diligências solicitadas por este Ministério Público não foram cumpridas, até a presente data.

Ademais, nota-se que o pedido da Auditoria, reiterado por esta Procuradoria de Contas, quanto à reunião dos processos conexos (26038285; 26164248; 27753085; 200600047002592; 200400026000406 e 200600038000754) não foi apreciado pelo Conselheiro Relator, ficando a análise de mérito concentrada e restrita aos documentos constantes nos autos.


É de se observar, neste particular, que a reunião dos processos supra-mencionados, é medida de rigor/ necessária à análise completa da questão exposta. A coincidência nítida de objetos entre os processos (construção do Centro Cultural Oscar Niemeyer) é suficiente a demonstrar a necessidade da análise conjunta - através do apensamento - dos feitos.


Neste particular, pugna, mais uma vez, este Parquet de conta, pela reunião dos processos conexos.


De qualquer sorte, passamos a análise parcial/deficitária da questão apresentada.


Do planejamento da Administração Pública.

(...)


No presente contrato a Administração Pública não adotou as providências cabíveis para que sejam promovidos os processos licitatórios com a antecedência necessária para a sua conclusão antes do término do contrato vigente.


Não efetuou o planejamento adequado das reais necessidades do Órgão, relativas às obras, serviços e aquisições, com vistas ao dimensionamento correto do objeto a ser licitado, de modo que ao prever prorrogações contratuais, seja adotada modalidade mais ampla, evitando a possibilidade de fracionamento de despesas para fugir da modalidade adequada de licitação (arts. 8° e 23 da Lei n° 8.666/93).


Da ausência de licença ambiental.


(...)


No presente caso, já fora elaborado o projeto básico, realizada a licitação e já ocorrido, inclusive, a contratação da empresa responsável, sem a respectiva demonstração de obtenção de licença prévia, o que inexoravelmente configura irreparável ilegalidade e desrespeito para com o meio ambiente - patrimônio do povo brasileiro – que recebeu especial proteção Constitucional.


Da ausência de manifestação conclusiva do Controle Interno.


(...)

Por outro lado, há uma grande contradição nos autos: o TCE/GO foi instado a se manifestar previamente acerca do processo licitatório (concorrência) mas não consta que esta E. Corte de Contas tenha aprovado o Convênio anterior, já celebrado, entre o Governo do Estado, a AGETOP e a Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira, dado que este ajuste pactuado afetava diversas licitações distintas, conforme consta nos autos.

(...)


No caso, observamos, pelo que consta dos auto em análise, que o controle interno do Estado de Goiás, não cumpriu sua função constitucional, prejudicando, consequentemente, a atuação efetiva do controle externo desempenhada pelo TCE/GO.


Da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF): sobre a estimativa do impacto orçamentário-financeiro (art. 16, I, LRF).

Não obstante a existência, nos autos, de declaração do ordenador de despesas, verifica-se que não consta dos mesmos a estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva a despesa entrar em vigor, bem como nos dois anos subseqüentes.

(...)

Para a execução de obras, é necessária a estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes (art. 16, I, c/c § 4º, I, da LRF); ademais disso, essa estimativa deve estar acompanhada “das premissas e metodologia de cálculo utilizadas (art. 16, § 2º, LRF).

Conquanto o cronograma físico-financeiro preveja a conclusão da obra em um prazo 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias, a partir da expedição da ordem de serviço, a declaração exigida no art. 16 da LRF não pode se restringir à despesa de capital em comento.

(...)


Certo. Dado que cada um dos dispositivos jurídicos existentes não pode ser interpretado isoladamente, mas, sim, dentro de um ordenamento jurídico em que são imanentes os postulados da unidade, da plenitude e da coerência, para se alcançar o almejado equilíbrio entre receitas e despesas perseguido pela LRF, em um determinado período de planejamento (art. 1º, § 1º, da LRF), é preciso interpretar o art. 16 da LRF conjugado com o art. 12 dessa lei; disso resulta que a execução de obras em período menor que os três anos previstos no artigo 16 da LRF implica a necessidade de a declaração do ordenador de despesa abarcar não só a despesa de capital a ser realizada (a execução da obra), mas, também, até o período de três anos, a despesa com a manutenção/conservação da obra realizada (despesa de custeio).


Essa previsão abrangendo o período posterior à finalização da obra, ou seja, a despesa com a manutenção/conservação da obra realizada, é compatível com os princípios do planejamento, da responsabilidade, da eficiência e da economicidade, porquanto consentânea com o conceito de preservação do patrimônio público, pois que obra não conservada é obra que se deteriora, com claro prejuízo ao patrimônio público, desperdiçado tanto mais quanto maior o seu desgaste.

(...)

Como visto, o descumprimento das exigências supracitadas infringe o § 4º do art. 16 LC n.º 101/2000, já que configuram condição prévia para execução de obras.


Do extrapolamento do limite de acréscimo de serviços (25%).


(...)


Feitas estas considerações, temos que os requisitos para o exepcional extrapolamento do limite de 25% do valor original do contrato, não foram atendidos, o que, via de consequencia, caracteriza, em análise superficial, a ilegalidade de excesso de 1,33% do limite apontada nos autos.

Da indevida prorrogação - por Termos Aditivos - de contrato extinto.

(...)

Não se pode prorrogar o que está extinto pois o mesmo já não produz qualquer resultado.

No caso em tela, o 4º, 5º, 6º e 7º termos aditivos foram assinados fora do prazo de vigência contratual (Instrução fls. .

(...)


Desta monta, consoante informação extraída os quatro termos aditivos fundamentaram-se em contrato extinto, isto é, em situação jurídica inexistente, tornando-os, desta forma, maculados de vícios/nulidade.




Por fim, tem-se que a "prorrogação do contrato extinto" ora detectada pela Instrução Técnica Conclusiva nº 0013 2ª DFENG/10, fls. 1616/1633, evidencia, mais uma vez, além de ilegalidade, absoluta falta de planejamento adequado por parte da Administração Pública na realização da obra de Construção do Centro Cultural Oscar Niemeyer.


III – CONCLUSÃO


Diante o exposto, e frente a parcial realidade posta em análise, esta Procuradoria de Contas opina pela ilegalidade de todos os atos administrativos sob análise, em face do descumprimento da Lei Complementar n.º 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), da Lei n.º 8.666/93 e de diversos princípios constitucionais, pugnando pela aplicação de penalidades - em especial multa - aos responsáveis nos termos do art. 313, inciso II, III e X, do Regimento Interno do Tribunal de Contas de Goiás, respeitando-se os direitos de terceiros concebidos de boa fé.


Ademais, este Parquet sugere:


a) que seja recomendada a realização de nova licitação para conclusão da obra em questão (Centro Cultural Oscar Niemeyer), haja vista a impossibilidade de inserção de acréscimos de serviços;


b) a instauração de Tomada de Contas Especial para quantificar os danos ao erário, imputando-se responsabilidades;


c) a aplicação de penalidade/multa - aos Gestores envolvidos relativamente aos atos ilícitos constatados;


d) que a E. Corte advirta o Controle Interno sobre a sua responsabilidade solidária, prevista na Constituição Federal de 1988 (art. 74, §1º); na Constituição Estadual (art. 29, § 1º); e na Lei Orgânica do TCE/GO (art. 43), dada a existência de inúmeras irregularidades visíveis ictu oculli;


e) que o Tribunal de Contas do Estado de Goiás expeça recomendações à AGETOP para que não se repitam os atos ilícitos [as irregularidades] evidenciado nos autos;


f) seja elaborado, pelo TCE/GO, manual de orientação para a ordenação de processos nos aspectos de formalização, preparo, instrução, movimentação etc. a exemplo do que ocorre nos Poderes Executivo e Judiciário Federais;


g) seja remetido cópias das principais peças processuais para o Ministério Público do Estado, a fim de que proponha as ações que entender cabíveis.


Nenhum comentário:

Postar um comentário