27 abril, 2007

Prefeitura Acaba com a Comissão de Projetos Culturais -3

Arte e Arbítrio


Impossível, diante dos acontecimentos, e a partir dos comentários feitos ao primeiro texto desta série, não lembrar do poema No Caminho, com Maiakóvski, de Eduardo Alves da Costa, publicado em 1985 (cuja segunda estrofe circula como se fosse autônoma, erroneamente atribuída a Bertolt Brecht e intitulada A Caminho, com Maiakóvski).
A propósito, ontem, 26 de abril, a destruição do povoado basco de Guernica pela força área nazista, a serviço dos franquistas, que combatiam os republicanos, e que inspirou a obra-prima de Picasso, fez 70 anos.

Atualizado em 31.01.09: corrigi a informação sobre a data do poema e suprimi um trecho que deixou de fazer sentido. O texto anterior era: "Eduardo Alves da Costa, de 1936, momento de apogeu de todos os arbítrios no mundo ( a segunda estrofe do poema circula como se fosse autônoma, erroneamente atribuída a Bertolt Brecht e intitulada A Caminho, com Maiakóvski)."


NO CAMINHO, COM MAIAKÓVSKI

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakósvki.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.



Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.



Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz:
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.


Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
se o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.


Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas no tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares,
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.




E por temor eu me calo.
Por temor, aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!



EDUARDO ALVES DA COSTA

Niterói, RJ, 1936


Poema publicado no livro 'Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século', organizado por José Nêumanne Pinto, pag. 218.
Geração Editorial, 2001, R$ 42,00.

Um comentário:

  1. Marcus,
    Parabéns! As vésperas de um primeiro de maio, data que é comemorada com o dia do trabalhador, que foi escolhida devido a morte de trabalhadores que souberam lutar pelos seus ideais, o poema nos retorna friamente a realidade da cultura em Goiânia. Calados,assistem ímpassiveis, tolhidos pelo terror de serem identificados e marcados, e quando se derem conta, já nada mais terão para dizer além de, amém. Sim, Senhor. Triste, não é?

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