18 outubro, 2006

Chamado à razão - Eleições: A cultura na mídia Goiana

Reproduzo abaixo artigo do jornalista Rogério Borges, publicado hoje em O Popular, na página de opinião. Tenho reproduzido e/ou comentado trechos de matérias suas no Magazine e artigos de opinião. Complementos essenciais ao seu artigo são o de Eduardo Horácio, sobre a Política Cultural do Tempo Novo, Política de Eventos e a entrevista dele com Eládio Garcia Sá Teles, ambos na Tribuna do Planalto e a matéria de Edson Wander, também do Magazine, disponível no Overmundo, sobre Política Cultural. Os candidatos, caso se interessem, estarão bem servidos. As remissões ( links) estão ao final.




Um patinho feio chamado cultura


Nesta campanha eleitoral no segundo turno, assistir ao horário político tornou-se mais que um exercício de paciência. Transformou-se em prova de resistência para o estômago. As acusações e as comparações pipocam a cada segundo. É dinheiro de dossiê pra cá, é ameaça de privatização em massa pra lá; é um dizendo que o adversário é sombra do padrinho político, é o oponente respondendo que o rival adora prejudicar funcionário público. E assim a campanha passa, as propostas se perdem entre ofensas e insinuações e não conhecemos os reais intentos de quem deseja ser presidente ou governador.

Rogério Borges

Os nossos ilustres candidatos, eventualmente, quando não estão ocupados em avacalhar com o adversário, até falam em planos – muito genéricos, diga-se de passagem – para a saúde, a educação, a geração de emprego e renda. Mas já estamos na reta final da campanha e o eleitor não sabe, por exemplo, o que eles pensam sobre áreas como a cultura.

Cultura? Algumas pessoas podem até estranhar que um tema que geralmente não faz parte do cardápio principal de uma eleição seja lembrado aqui como uma área que mereceria uma atenção maior dos candidatos. Talvez esteja exatamente aí a raíz de muitos de nossos problemas. Talvez seja exatamente pelo descaso com que a cultura sempre foi tratada neste País que ele ainda precise conviver com debates políticos tão pobres e rasteiros, desrespeitosos com o eleitor, que se vê participando deste processo como mero coadjuvante, quando deveria ser o contrário.

No lamentável debate da TV Bandeirantes entre Lula e Alckmin, quando os dois faltaram se engalfinhar na frente das câmeras, com uma recíproca e intermitente “troca de gentilezas”, nenhuma sílaba sequer foi dedicada à questão da cultura. Será que foi porque essa área não exige um acompanhamento mais próximo, já que seria supérflua? Ou os candidatos acham que tudo está tão bem neste setor que não há mais nada a fazer para melhorá-lo? Quem convive com a cultura e quem a produz sabe que existe uma carência de políticas públicas para a área, no amplo leque de iniciativas que ela engloba.

O brasileiro lê menos do que deveria, milhares de cidades não têm sequer uma sala de cinema, faltam bibliotecas, peças de teatro viraram artigos de luxo, os museus estão às moscas pela falta do hábito em visitá-los. As manifestações folclóricas sobrevivem a duras penas, os grupos musicais da periferia têm dificuldade em mostrar seus trabalhos, os espetáculos de dança são raros e as exposições de artes plásticas são programas restritos às elites. Motivos não faltam para despertar o interesse dos homens públicos para a área, mas eles preferem se dedicar a programas de maior visibilidade, que tragam resultados mais imediatos.

Cultura é mesmo algo difícil de lidar. Exige sensibilidade, boas idéias, ações criativas, conhecimento de causa, paixão. Estes são predicados que estão diminuindo na classe política brasileira. E o maior sinal disso não é o fato de o presidente cometer erros de português ou ter pouca instrução. Quem pensa assim também não entende nada dos verdadeiros parâmetros culturais que, acima de tudo, são democráticos e não aceitam esse tipo nojento de preconceito de classe.

O maior sinal de que a cultura está ficando para escanteio é sua total e absoluta ausência no momento em que o debate político nacional atinge seu ápice. Essa desconsideração mostra que as preocupações de fundo cultural não são prioritárias para os candidatos, para o ex-metalúrgico inimigo das concordâncias e para o médico formado com discurso impecável e empolado. Nesse sentido, ambos demonstram se igualar na ignorância. Na ignorância do papel fundamental que a cultura exerce na formação de uma nação, na consolidação da democracia e na construção da identidade de um povo.

Quem não entende isso, não deveria se achar em condições de conduzir um país ou um Estado. Quem não enxerga a importância que tem a cultura a ponto de não lhe dedicar dois minutos no horário eleitoral gratuito, um minuto de uma réplica num debate, a exposição de uma única proposta para o setor em um comício, sinceramente, não deveria entrar na vida pública. Políticos que não reconhecem a cultura como fundamental para um povo, uma nação, têm muito mais chances de atrapalhar do que de contribuir. Sabemos que desemprego, filas em hospitais, falta de escolas, crise no campo e obras de infra-estrutura são temas primordiais e não podem ser negligenciados. Mas a cultura deveria ser encarada neste mesmo patamar de importância, o que não ocorre. E enquanto não ocorrer, estaremos fadados a, em todas as eleições, discutir os mesmos problemas, apontando as mesmas soluções retóricas, sem com isso mexer na base, no que verdadeiramente interessa.

Rogério Borges é repórter do Magazine
Leia mais:
Seis meses depois, o fim do anonimato - trecho da entrevista de Rogério com Paulo Mendes da Rocha
Highlanders - trecho da matéria de Rogério sobre a profusão de academias de letras no Brasil, em especial em Goiás
No Forno - reprodução de seu artigo A literatura e os diletantes - fundamental para entender o meio cultural goianiense
Seis meses depois - sobre a entrevista de Eládio Sá Teles na Tribuna do Planalto
Bravo!! - onde comento o artigo de Eduardo Horário e a matéria de Edson Wander

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