Abaixo, o depoimento de mais uma das pessoas presentes:
No dia 12/02/2010 a Prefeitura de Goiânia ofereceu uma comemoração de Carnaval nessa capital contando com a apresentação de duas bandas, juntamente com alguns blocos, com o intuito não só de oferecer uma festa de rua para que a população pudesse se divertir, mas uma tentativa de criar uma tradição na cidade que tanto amamos; infelizmente o Comando da Polícia Militar do Estado de Goiás demonstrou que não coaduna com a vocação cultural nas festividades de Goiânia.
Impressionantemente as poucas pessoas que estavam na festa presenciaram um evento extremamente tranqüilo, pacífico e de integração social, explorando tradições goianas como o “boi”, que divertiu várias crianças no evento. Depois, houve a apresentação de duas bandas e o show terminou por volta de 00h20min, bem antes do horário já combinado com a organização do evento, que seria às 02h00min do dia 13/02/2010. Imediatamente após o termino do show a cavalaria se postou enfileirada à frente do palco, momento em que ainda alguns músicos recolhiam os instrumentos, as luzes todas permaneciam acessas, mas ninguém mais pulava carnaval, pois as pessoas estavam apenas se despedindo uma das outras para irem embora.
Os membros da cavalaria da Polícia Militar do Estado de Goiás postados em frente ao palco estavam todos com colete à prova de balas, o que impedia a visualização da identificação frontal dos mesmos. Ainda tiveram a capacidade de se apresentarem com a identificação que se localiza na manga de suas fardas propositadamente dobrada para dentro, evidenciando o propósito de cometer atrocidades sem que ninguém os identificasse.
Um dos policiais, montado no seu cavalo no centro da tropa gritou: “ É pra dispersar” dando um sinal com o polegar para seus comandados, que começaram a lançar spray de pimenta sobre todo mundo indiscriminadamente, sem dar a ninguém a oportunidade de cumprir a ordem de dispersão.
Nesse momento começou um verdadeiro show de horror. Muitas das pessoas que estavam no local não tiveram de imediato, capacidade para acreditar que os policiais sem qualquer contrapartida dos foliões estivessem usando o spray e algumas dessas pessoas perguntaram aos PMs: “o que aconteceu, porque essa atitude? ninguém fez...” infelizmente a frase nem pode ser completada, pois ai o spray de pimenta foi jogado diretamente em direção aos olhos dessas pessoas. Uma pessoa tentou se aproximar dos PMs com as mãos para cima, demonstrando sua passividade, mas recebeu mais spray na cara.
Parecendo não estarem satisfeitos com o início de um tumulto e desespero, inclusive de mães com suas crianças, os policiais jogaram os cavalos em cima das pessoas, algumas caindo com seus corpos a poucos centímetros das patas dos cavalos.
Continuando seu show de insanidade os policiais começaram a usar suas espadas de borracha, golpeando quem estivesse na frente, inclusive mulheres. Uma delas foi arrastada pelo chão por um dos policiais da operação (POP). Ninguém teve a possibilidade de qualquer mínima reação, sequer palavras puderam ser trocadas.
O tumulto se instalou de forma indescritível, pois na tentativa de correr as pessoas sequer conseguiam se direcionar, afetadas pelo spray de pimenta. Quando as pessoas conseguiram chegar à barreira que isolava a rua pensando estarem “seguras”, continuava a outra parte da triste história. Agora os policiais perseguiam quem houvesse conseguido filmar algum vídeo em seus celulares. A perseguição teve êxito: eles quebraram os celulares de quem eles perceberam que havia filmado.
Nesse momento um civil tentou conter um policial que estava espancando duas mulheres e um homem, encurralados em frente a um veículo, que se encontrava próximo ao Supermercado Tatico na Av. Araguaia. Outros cinco policiais se juntaram ao PM agressor e passaram a espancar o jovem de forma cruel e prolongada, continuando a pancadaria mesmo quando a vítima já estava indefesa no chão.
A esposa dele tentou interferir e foi agredida por um dos PMs com um violento soco no peito derrubando-a no chão, atitude emblemática do abuso de poder e a covardia das forças policiais que ali estavam para garantir a integridade da cidadania que participava do evento público.
Naquele momento, cinco pessoas foram detidas por “desacato” suscitando a enorme perplexidade dos presentes até então convencidos de que “acatar a autoridade” seria o contrário de aceitar passivamente abusos, violência e arbitrariedade policial, contra a cidadania, incluindo mulheres e crianças.
Os cinco detidos foram levados para o 1º DP seguidos por uma multidão de testemunhas que pretendiam registrar ocorrência da violência policial indiscriminada e injustificada no evento. Um senhor de cabelos grisalhos que parecia pertencer à Delegacia, embora não estivesse fardado, impediu o registro alegando que “aqui não é casa da mãe Joana” e ordenando que todos fossem embora. Uma explosão ocorrida do lado de fora da Delegacia pareceu ser produzida pela própria polícia como fator de intimidação.
Uma das testemunhas que se identificou como advogada permaneceu na delegacia acompanhando os detentos, constatando ferimentos nos mesmos, inclusive nos punhos, produzidos pelas algemas que haviam sido colocadas de forma ostensiva e constrangedora no momento da detenção.
Como conseqüência das agressões policiais um dos detentos desmaiou tendo que ser levado – de maca – pelo Corpo de Bombeiros para o Hospital de Urgências de Goiânia, fato que foi registrado pela TV ANHANGUERA.
A família transferiu o paciente para o Instituto de Neurologia de Goiânia, onde após os exames foi emitido o seguinte laudo: “tomografia de crânio sem lesões agudas, REG, lesão contusa, escoriação em nariz, lesões rubras em região dorsal e tórax com lesões de mais ou menos 10 cm de extensão e outros”.
Na delegacia as testemunhas e vítimas que exigiam prestar um Boletim de Ocorrência, só após a chegada de reconhecidos defensores dos Direitos Humanos, como o deputado Mauro Rubem e Pe. Geraldo puderam então serem ouvidas, mas com certa parcimônia e descaso, com a desculpa de que o sistema estava fora do ar. Algumas pessoas prestaram depoimentos e outras foram para o IML submeter-se ao exame de corpo de delito.
Assim distorcida a situação gerou e consagrou uma injustiça: as vítimas da violência e arbitrariedade policial responderão na Justiça um processo criminal por DESACATO no qual os policiais agressores serão arrolados como VÍTIMAS.
Perguntas ficam sem resposta:
Por que tamanha violência, sendo que a festa popular de rua transcorreu de forma pacífica até o fim, sem registro de qualquer incidente que justificasse uma intervenção policial e MUITO MENOS as agressões praticadas por quem deveria garantir a ordem?
Que Estado é esse que, ao invés de proteger seus cidadãos promove propositadamente um tumulto, a fim de atacar a legitimidade de um evento social e se esconde atrás da suposta autoridade investida?
Uma coisa ninguém questiona, o que ocorreu naquela noite, que dificilmente será apagada da memória do histórico goiano de violência policial, não foi despreparo dos seus membros e sim obediência a um comando arbitrário e sem fundamento, inconcebível dentro de uma instituição de um Estado Democrático de Direito.
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