24 dezembro, 2009

O CDLgate no contexto - formato made in Brasília?

Aconteceu em Brasília

O uso de uma instituição sem fins lucrativos para fugir à licitação para contratação de empresas de tecnologia em valores milionários não é novidade. Em Brasília, o escândalo decorrente da investigação de um caso assim conseguiu o que parecia impossível: afastar Joaquim Roriz dos cargos públicos.

Roriz saiu por conta própria: renunciou ao mandato de senador em 2007, para evitar a cassação em função de conversa sua interceptada na Operação Aquarela, que investigou contratos sem licitação feitos pelo Banco Regional de Brasília (BRB), que tinham a Associação Nacional dos Bancos (Asbace) como intermediária.

Onze anos de polêmica

Reportagem do Jornal Opção de 15 de janeiro de 2005, tratando de outro caso de contração sem licitação, registrava (grifei):

Se terminar seu mandato incólume, ao final de 2006, o governador do Distrito Federal, Joaquim Domingos Roriz (PMDB) terá cumprido uma hercúlea tarefa, porque dificultada sobremaneira pela Justiça local. Indiciado em uma série de processos, que têm como autor o Ministério Público (MP) do Distrito Federal e Territórios (muitas vezes, à pedido do Partido dos Trabalhadores) e, por vezes, até mesmo o Ministério Público Federal, o governador não foi, no entanto, até hoje condenado em instância superiores. Seus adversários políticos atribuem isto à fragilidade das instituições no Brasil e, extra-oficialmente, insinuam até mesmo que haja corrupção e venalidade nos meios legais do Distrito Federal. Já os aliados de Roriz, além de obviamente afirmarem que o governador não é condenado por ser inocente, alegam que os sucessivos processos nos quais Roriz figura como réu são, meramente, fruto de perseguição política. O Ministério Público, assim, teria um viés esquerdista e, de forma mais marcante, petista. Seja quem for que estiver certo, ou mesmo a verdade sendo uma mistura de ambas correntes, o fato é que o governador do Distrito Federal, um dos políticos que mais foi indiciado em toda a curta história política de Brasília, frustrou constantemente as tentativas do MP local de condená-lo.

A matéria trazia ainda o número de processos contra Roriz arquivados pelo Superior Tribunal de Justiça e lembrava a referência a ele no relatório final da CPI da Máfia do Orçamento, de 1994 (grifei):

O interessante é que Roriz parece mesmo ter blindagem contra a artilharia pesada desferida pelo MP. Há quase 11 anos, em 21 de janeiro de 1994, eram concluídas as atividades da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigava fraudes no Orçamento Federal de 1992. A CPI da Máfia do Orçamento, como era conhecida, concluiu em seu relatório final que “o exame das contas do governador Roriz no período investigado deixou claro que a sua movimentação bancária é absolutamente incompatível com os rendimentos e ganhos”. Mesmo assim, nenhuma medida foi tomada. Aliás, a defesa de Joaquim Roriz contabiliza 20 processos contra o governador do Distrito Federal que já foram arquivados no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Renúncia com a Operação Aquarela

Artigo do Blog da Paola, sobre desdobramentos do Panetonegate (cujas investigações devem alcançar também o governo de Roriz) fez um resumo da Operação Aquarela (grifei):

Um dos fios da meada que a Polícia Federal deverá usar para reconstruir os supostos esquemas de desvio de dinheiro no governo passado serão as denúncias relacionadas à Operação Aquarela, uma força tarefa entre o Ministério Público do DF, o Federal e a PF. Essa investigação mergulhou nos negócios suspeitos entre a diretoria do Banco de Brasília (BRB), empresas do setor de tecnologia e o próprio ex-governador Roriz. As apurações lideradas pelo Núcleo de Combate ao Crime Organizado (NCOC) desvendaram crimes como dispensa ilegal de licitação, lavagem de dinheiro e peculato.

Por meio de documentos oficiais, os promotores de Justiça conseguiram traçar o caminho do dinheiro roubado do BRB. Recursos aplicados dos correntistas financiaram contratos estimados em R$ 160 milhões para aquisição de tecnologia bancária com a Associação Nacional dos Bancos (Asbace). A entidade — anunciada como sendo sem fins lucrativos — terceirizava o serviço sem a necessidade de realizar licitação à ATP Tecnologia S.A. Essa última também repassava parte do contrato a uma outra firma, a Diebold Procomp. O dinheiro da corrupção vinha do superfaturamento dos contratos e em porcentagens diluídas nas taxas de administração cobradas ao longo do processo de terceirização. Segundo o MP concluiu, os recursos públicos foram parar nos bolsos de dirigentes do BRB e das empresas envolvidas nos convênios.

A Operação Aquarela derrubou praticamente toda a diretoria do BRB e acabou por forçar a renúncia do ex-governador Roriz do Senado Federal. A atitude do então peemedebista foi tomada para se livrar de um processo por quebra de decoro parlamentar. Numa das escutas interceptadas pelo MP durante a Operação Aquarela, os promotores de Justiça descobriram conversas nas quais Roriz negociava a partilha de um cheque no valor de R$ 2,2 milhões com o então presidente do BRB, Tarcísio Franklin de Moura. A partilha seria feita no escritório do empresário Nenê Constantino.

Veja também: O CDLgate no contexto - íntegra da cautelar

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