Ao longo do mês passado, o artigo foi encaminhado para publicação, sem sucesso, a O Popular e ao Diário da Manhã.
Veja, clicando nos marcadores abaixo do texto, artigos anteriores publicados pelo blog envolvendo a questão ambiental em Goiânia.
Os jardins de inverno do cerrado goianiense
Foi com um certo estupor que assisti a recente reportagem (25/09) exibida em jornal televisivo local, acerca do binômio ambiente-urbanização em Goiânia.
Tratou esse telediário de noticiar o grande avanço na legislação municipal local, que exige dos construtores uma contribuição mínima de 0,5% do valor total dos investimentos realizados com a obra em questão, para fins ambientais. Assim, tendo o Parque Flamboyant como pano de fundo, noticiou-se enfaticamente que essa exigência representa fator preponderante para a preservação do meio ambiente na Capital, o que foi ilustrado por opiniões de transeuntes. Ato seguido, o foco da reportagem se voltou à quantidade de animais selvagens que buscam abrigo nos parques de Goiânia, em razão da inexistência de condições de vida em seus respectivos habitats.
Em relação ao tema, algumas observações se impõem.
Primeiramente, é de se notar que não há qualquer “grande avanço” na legislação local – leia-se o plano diretor de Goiânia – quando prevê dito instrumento, que trata apenas e tão-somente de estabelecer medida de compensação por construção que ultrapassa os limites de ocupação do solo estabelecidos para uma determinada zona. É o chamado solo criado, já existente na legislação municipal brasileira há algum tempo, em nível federal desde 2001, que exige compensação financeira ou in natura, como noticiou a reportagem, do empreendedor que queira usar mais do que se outorga normalmente a título de direito de construir.
Em segundo lugar, se não representa esse instrumento novidade alguma, sua utilização vem se fazendo de forma desmesurada e irresponsável em Goiânia. Isto pois criam-se parques e, como por milagre, surgem enormes prédios residenciais no seu entorno imediato, o que contraria veementemente o instituto do solo criado – verdadeira exceção às regras de ocupação do solo – e a própria filosofia de um parque natural urbano, qual seja, a de integrar o meio natural à cidade, e vice-versa. Aliás, o pano de fundo utilizado pela reportagem é o exemplo mais gritante dessa aberração goianiense: o parque Flamboyant é refém de prédios de grande altura, o que além de deturpar completamente a paisagem do local, acaba por trazer problemas de congestionamento, insuficiência das redes de abastecimento de água e coleta de esgoto, além de cortar as correntes de ar que naturalmente deveriam continuar a regular o clima de Goiânia.
Ora, quando se pensa – como mencionou a reportagem – que existem mais de cem áreas ainda propícias para a construção de parques municipais e ao uso desse instrumento, penso logo em mais espigões destruindo o que ainda resta de natureza na cidade, acabando com os poucos nichos de qualidade de vida que ainda temos em Goiânia.
Em terceiro lugar, cabe ressaltar que o instrumento do solo criado implica medida de compensação ambiental. Ora, a compensação é medida extrema em matéria de proteção do meio ambiente, pois o que se deve buscar nas atividades humanas é a prevenção de danos ambientais. E isso pelo simples fato de que a compensação se impõe, normalmente, quando a obra ou a atividade seja essencial, e quando inexista para ela outra opção. Ora, em Goiânia este instrumento de compensação ambiental se utiliza em lugar de medidas de prevenção, o que contraria frontalmente o espírito das normas de direito ambiental e urbanístico – e até mesmo o plano diretor de Goiânia, que traduz em suas linhas elementos essenciais do Estatuto da Cidade.
Enfim, no que tange à noticiada aparição de animais da fauna silvestre nos parques municipais de Goiânia, trata-se de uma infeliz constatação da falta de visão de longo prazo, quanto mais integrada, no planejamento e na gestão do solo, não apenas em Goiânia ou no Estado de Goiás, mas no Brasil como um todo. Aqui, apesar das normas existentes, meio urbano e meio rural não se confundem, não se comunicam em termos práticos. Com efeito, constroem-se vias marginais aos cursos d'água que cortam a cidade, sem que sejam consideradas suas conseqüências para esse curso como um todo; se autoriza uma expansão urbana desnecessária e desenfreada, deturpando a paisagem e as funções do meio natural que circunda o meio urbano; desconsideram-se os impactos de atividades e obras (inclusive públicas) urbanas sobre o meio natural; enfim, se dá por inexistente a conexão entre atividades rurais e urbanas, apesar de sua ligação estreita em vários sentidos...
Tudo isso nos leva a uma necessidade premente: o enfoque sobre o que seja qualidade de vida deve mudar, e rápido, permeando a ação do governo e da população local, além de motivar instituições, como o Ministério Público estadual, no combate à verticalização, sob pena de esse conceito se perenizar na triste imagem de parques urbanos que, tal como pássaros engaiolados, se apresentam como meros jardins de inverno das torres residenciais que os circundam.
Marcus, parabéns! Excelente o artigo do professor José Antônio Tietzmann e Silva. Sempre achei absurdo essa construção de parques urbanos em Goiânia, que nada mais é que um modo do poder público valorizar o particular e garantir a especulação imobiliária.
ResponderExcluirGoiânia não é mais a mesma.