16 junho, 2006

De Raios e Avestruzes -2 A imprensa, lá e cá

A imprensa americana e a Enron


A análise sobre o desempenho da imprensa no caso Enron é um dos aspectos mais interessantes e úteis do escândalo para nós, aqui na província. No Los Angeles Times, Tim Rutten levantou as possíveis razões para que nem os investidores que perderam 60 bilhões de dólares, nem os 5 mil empregados que perderam seus empregos, e , em alguns casos, as economias da vida inteira, fossem advertidos sobre o comportamento dúbio da empresa:

1. As atuais limitações intrínsecas ( e quase nunca admitidas) da imprensa para a cobertura de casos de grandes proporções mas cuja complexidade extrapola a competência dos repórteres designados para cobri-los;

2. As pessoas que administram os principais veículos do noticiário não querem gastar o tempo nem o dinheiro necessários para qualificar adequadamente os repórteres. Por outro lado, há empresas absolutamente impenetráveis até para o mais diligente deles – que não tem poderes legais para por portas abaixo;
3.Houve uma distorção de foco: deixou-se de analisar os balanços das empresas, sua práticas comerciais, para endeusar seus executivos, transformados em celebridades. O que importava eram detalhes de suas vidas, seu estilo glamoroso, o bom gosto excepcional de suas esposas em mobília, seu brilhantismo. Ficou difícil para quem os tornou os Reis dos Cidadãos dizer depois que eles não só estavam nus, mas também eram bandidos;
4.Os homens da Enron também eram especialistas no “fator mistificação”: analistas do mercado financeiro com interesse pessoal e jornalistas financeiros preguiçosos e distraídos compravam felizes a história de que se não conseguiam entender como a Enron ganhava dinheiro, isso não era problema deles, pois só os homens da Enron, “os caras mais espertos da sala”, conseguiam entender como faziam isso;
5. Um ano antes do colapso, uma jornalista da revista Fortune fez uma análise rigorosa das contas da empresa e perguntou a grande questão: “Como exatamente a Enron ganha dinheiro?Os detalhes são difíceis de averiguar porque a empresa mantém muitas das informações específicas confidenciais. ..Os analistas não têm nenhuma pista.” E advertiu que essa opacidade era um alerta de perigo;
6. Para crédito da revista, a matéria foi publicada apesar da mobilização dos três principais executivos da empresa: um deles ligou para a revista, o outro a visitou e o terceiro acusou a repórter de “antiética”;
7. Quando a matéria saiu, com o título “ A Enron está sobrevalorizada?” o mercado financeiro deu de ombros e a imprensa econômica continuou publicando perfis deslumbrados dos executivos da empresa. Por que não? As ações da empresa tinham dobrado de preço no ano anterior e fechado a U$ 76 no dia em que a matéria foi publicada. Os homens da Enron eram espertos, ricos e maus – quem precisava da aflição que viria ao enfrentá-los?


Ao final, ele adverte sobre o cuidado excessivo que a imprensa tem em não parecer fazer oposição - o mito da imprensa de oposição - citando como conseqüência dele a péssima cobertura da preparação para a guerra do Iraque. Conclui destacando que o caso Enron serve para lembrar que a imprensa tem não só o compromisso de falar a verdade para as autoridades que exercem o poder e o povo que o detém, mas também de contar a verdade sobre os poderosos.


A imprensa goiana e a Avestruz

Em Goiás, quem fez as vezes da Fortune foi o jornal O Sucesso, que em março de 2004, mais de um ano e meio antes do estouro da Avestruz Master, alertou para os problemas da empresa, como lembrou em sua edição de 13/11/05, logo após o estouro da empresa:

O primeiro alerta sobre o risco de se investir na empresa Avestruz Master foi dado exclusivamente pelo jornal O Sucesso. O fato de outros veículos não terem se envolvido na denúncia, mas sim se beneficiado das polpudas verbas publicitárias da empresa, isso fez com que O Sucesso atuasse isoladamente, como uma “voz que clama no deserto”. Mas ainda assim, muitos leitores levaram a sério a denúncia e não foram vítimas da arapuca, ardilosamente armada. A primeira abordagem do assunto aconteceu em março de 2004, com a matéria Negócio da China ou investimento de risco?, de autoria do jornalista Antônio Lisboa. Posteriormente a essa edição, o jornal publicou mais oito edições consecutivas, dando seqüência ao assunto. Numa dessas edições (reproduzida na capa do primeiro caderno desta edição), mostrou uma série de crimes praticados por Jerson Maciel em São Paulo, como venda de lotes que não lhe pertenciam, sonegação de impostos, grilagem de terras, entre outros.

O jornal Opção, por sua vez, na edição de 6 a 12/11/05, prucurou analisar por que as pessoas continuaram investindo na empresa, pontuando a responsabilidade de autoridades, políticos e da imprensa, inclusive enfatizando sua dependência de anunciantes (não menciona, contudo, o pioneirismo nas denúncias de O Sucesso). O texto contextualiza muito bem, para a realidade de Goiás, e o caso Avestruz, as críticas presentes tanto no filme Enron – Os caras mais espertos da sala (De raios e Avestruzes -1) quanto no texto de Tim Rutten :

Por que, apesar de especialistas dizerem que era um negócio de risco — produto de um capitalismo mais “esperto” (que não é sinônimo de inteligente) do que “selvagem” —, as pessoas continuaram vendendo suas casas, carros, jóias para aplicar em avestruz?
Primeiro, Jerson Maciel circulava entre autoridades públicas — ministros, governadores, deputados — e empresários. As colunas sociais o tratavam como um integrante do jet set ou estadista — um leão marinho da terra. “É um homem de bem” — era o recado subliminar dessas aparições, que pareciam espontâneas. Não há prova de que as notas eram pagas. Certamente eram parte do rapapé tradicional aos poderosos. Segundo, a mídia séria (jornais, revistas, televisões e rádios) tratou o negócio da Avestruz Master como uma condescendência espantosa. Se era um negócio suspeito, deveria investigar e dizer isto aos seus leitores (ouvintes e telespectadores) — verdadeiro sustento de qualquer veículo de comunicação (o anúncio, o dinheiro, é só uma das bases). Por que não disse aos leitores que o negócio era de alto risco — ou só o disse episodicamente —, não é um mistério. A Avestruz Master mereceu uma consideração extremosa da mídia porque abriu os cofres e anunciou fartamente em rádios, jornais, revistas e, sobretudo, canais de televisão. Isto não quer dizer que a Avestruz Master comprou a imprensa, mas, sim, e isto é grave, que a mídia tornou-a condescendente — não diria conivente — com os bastidores do seu negócio. A imprensa, se não passou a dizer que o negócio era seguro, silenciou-se sobre os possíveis riscos. Agora mesmo, apesar de apresentar os fatos, a mídia não faz uma análise deles. Não diz, com a clareza necessária, para não alimentar ilusões, que a Avestruz Master pode até abrir as portas na segunda-feira, 7, mas, com a credibilidade irremediavelmente abalada, não terá como voltar ao mercado, ou seja, a funcionar. A Avestruz Master já era. É preciso dizer que Ministério Público e Procon também foram omissos. Talvez por inexperiência em lidar com um negócio tão complexo. A dependência econômica limita a liberdade de imprensa, mas a imprensa, sobretudo a goiana e de outros Estados da periferia do sistema capitalista, se recusa a discutir o assunto. Por quê? Porque terá de dizer, com clareza, que não tem autonomia — que depende dos governos do Estado (a filiação partidária não importa) e, em alguns casos, de certos empresários.

Para ler o artigo do Jornal Opção (O pacto de silêncio que sustentou a Avestruz Master) na íntegra, acesse o site do jornal e selecione em Edições Anteriores a de número 1583. Infelizmente, embora exista no site, o acesso a edições anteriores de O Sucesso não está funcionando.
No texto logo abaixo, último dessa série, um aspecto comum aos dois casos que não foi abordado pela imprensa.

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