Com grande atraso, reproduzo o depoimento de Gilberto Correia, publicado na edição de O Popular de 8 de outubro, sobre as agruras por que passam os artistas que buscam o apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Goiânia.
De pires na mão
Gilberto Correia
08 de outubro de 2011 (sábado)
Depois de tantas andanças em vão, tantos nãos, tanta falta de interesse e tanta desinformação, resolvi relatar a sina dos produtores de cultura em nosso município. A caminhada é longa e o primeiro passo, conseguir aprovação na lei municipal de incentivo à cultura. Apesar das dificuldades essa lei é uma das poucas leis de incentivo que funcionam bem na prática, mas uma prática muito burocrática.
Primeira etapa: elaboração do projeto. Muita papelada, documentação, concorrência e correria. O projeto deve ser aprovado e escolhido pela Comissão de Projetos Culturais (CPC), tarefa nada fácil devido ao grande número de inscritos e à rigidez da CPC. Após alguns meses sai o resultado e, se aprovado, passamos para a próxima fase: a captação.
É o início da andança batendo de porta em porta, literalmente de pires na mão. São visitas, inúmeras, a prováveis colaboradores e apoiadores. Chamo-os assim, pois embora a grande maioria desconheça que quem realmente patrocina é a prefeitura, ela deixa de receber o imposto da empresa que disponibiliza o recurso e o dinheiro é automaticamente transferido para a conta do Projeto Cultural (esse valor não passa de 1,5% da receita anual da prefeitura, o que não dá nem R$ 2 milhões por ano para ser divido por todos os segmentos da cultura em Goiânia).
Em tese o funcionamento da lei é bem simples: aprovado, o proponente procura uma empresa disposta a destinar uma quantia para a cultura no lugar de pagar diretamente o imposto para a prefeitura. Era para ser simples, mas na verdade não é. Uma parte das empresas não tem pessoas esclarecidas ou bem intencionadas; outra parcela não tem o menor interesse em saber do que se trata. E às vezes há até quem passe a usar o recurso, que é renúncia fiscal da prefeitura, para barganhar comissão ou até mesmo condicionam a liberação do dinheiro a apresentações do artista em eventos da empresa e outras formas de se beneficiar com a lei.
As trocas de favores ocorrem. Algumas vezes empresas usam o critério do compadrio: tem que ser amigo do dono, ou amigo do amigo do dono, e por aí vai. Não são raros os casos em que, após tudo encaminhado, no dia de finalizar vem a notícia de que um amigo do dono foi colocado na frente, coisa de compadre mesmo. As empresas se esquecem que o dinheiro provem de renúncia fiscal da prefeitura, e o artista vai engolindo os sapos no caminho.
Quando chegamos a determinadas empresas, nos direcionam para o marketing, contador ou o próprio dono e, na grande maioria das vezes, notamos a falta de conhecimento, de boa vontade em colaborar ou mesmo medo de sair da rotina e ter de se mover para apoiar um projeto cultural, sendo que na verdade é o captador (agente ou o próprio artista) que se encarrega de encaminhar e realizar na prefeitura todas as ações necessárias para a conclusão do apoio.
Alguns temem estar abrindo suas portas para uma devassa fiscal, coisa que em meus quase dez anos de lei nunca ouvi falar e nunca testemunhei. Às vezes, mesmos nas empresas que participaram e conhecem bem a lei, existem pessoas que não demonstram o menor interesse em participar de projeto cultural.
A captação tem de ser feita e quase sempre conseguimos, mais pela facilidade da lei do que pelo envolvimento e compromisso das empresas com a cultura. E assim vamos batendo de porta em porta até acharmos uma empresa interessada, com pessoas sensatas, que, felizmente, existem.
Acredito que poderia ser bem mais simples: depois de o projeto aprovado era só receber o recurso da prefeitura, sem a presença de atravessadores. O dinheiro já chega às mãos do município por meio dos impostos pagos pelas empresas, seria uma forma de tirar o poder dado a elas de escolher para quem vai o recurso, que é público. Esse recurso acaba sendo gerido por empresas particulares.
Outra saída seria uma grande campanha junto às empresas tentando sensibilizá-las. Expor para as pessoas que respondem e decidem por elas, de forma clara e objetiva, o funcionamento da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e quais as vantagens em sua participação para ambas as partes e para a sociedade, que ganha com a oferta de opções culturais.
Gilberto Correia é cantor e compositor
gil.correia@terra.com.br
Excelente critica construtiva, gilberto.
ResponderExcluirAgradecemos a vc por compartilhar, marcus.
A coisa ainda funciona assim pq um sujeito (o dono do poder no governo) e outro sujeito (o dono do poder na empresa)estao mancomunados (palavra boa essa, heim?? rs...)e nos de refem disso como bem mostra esse videozinho curto aqui abaixo...
http://www.youtube.com/watch?v=lgmTfPzLl4E&feature=player_embedded
mas essa mundo regido pelo capitalismo selvagem neo-liberal sem amor esta em frangalhos e um mundo que sonhamos ja raiou no horizonte. esse blog e sinal disso, seu txt tb, ocuppy wall street tb... ocuppy all the world tb...
vamos la fazer o que sera!
e pra quem estiver conseguindo surfar na correria ao inves de ser tragado por ela e "tiver tp", compartilho esse filme maravilhoso sobre a psicopatia da logica desse mundo que ta passando e que foi e ainda e dominado pelas grandes corporacoes.
http://www.youtube.com/watch?v=znU2IrYcb8g&feature=player_embedded
COM AMOR,
CHARLES - UM DOS 99%.
Obrigado pelo comentário e pelas dicas, Charles, você que é um leitor fiel desde o início, em 205.
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