07 maio, 2006

Dando o serviço

Sobre o comentário feito ao texto anterior , continuo acreditando que a cobertura da imprensa sobre a conferência municipal de cultura foi bastante razoável, exceto pela falta de divulgação da carta aberta do conselho. No máximo, um pecado por omissão.

Por outro lado, no campo da ação, temos em nossa imprensa uma prática nefasta, em que jornais agem descaradamente contra o interesse público. Trata-se das entrevistas “desagravo” ou “ação entre amigos”. São como aquelas rifas para socorrer amigos em dificuldades financeiras, só que o beneficiário aqui é o responsável por algum órgão público, em dificuldades políticas. Funciona assim : o jornal X divulga críticas à condução de determinado órgão público. Neste jornal, o assunto fica estanque, não é dada nenhuma resposta pública às críticas, com argumentos e informações sólidas que as contestem (imagino que talvez até haja alguma reclamação junto ao jornal, mas se há fica nos bastidores).

Entretanto, logo em seguida aparece uma entrevista com o criticado, só que no jornal Y , cujas perguntas abordam uma a uma as críticas feitas no jornal X (que não é citado), permitindo ao entrevistado dar sua versão sobre os fatos, sem contudo apresentar qualquer dado relevante que sustente suas afirmações e desqualifique as críticas. Pelo contrário, normalmente as perguntas formuladas já fazem a desqualificação dos críticos.

Problema ainda mais grave é o conflito de interesses. No judiciário, se o juiz tem algum envolvimento pessoal com a causa que vai julgar, ele se declara impedido e passa o processo para outro colega, garantindo a imparcialidade no julgamento. Em parte da nossa imprensa, isso não se coloca. Algum tempo depois da “ação entre amigos” pode se revelar que o entrevistador era um dos beneficiários da ação alvo de denúncia, ou tinha algum outro vínculo com o entrevistado, sem que isso fosse mencionado na entrevista.

Como reflexão sobre esse tipo de entrevistas, vale a pena ler um trecho do texto publicado por Alceu Nader, no seu blog Contrapauta, no Observatório da Imprensa, em que ele cita crítica à autobiografia de Fidel Castro, recém-publicada (para ler o artigo completo, clique aqui):

O artigo, assinado por Antonio Elorza, desde o título – “A Serviço de Fidel” – demole o catatau de 655 páginas e merece registro por suas considerações ao trabalho que muitos jornalistas se aventuram a fazer sobre perfis de personalidades vivas. Diz o autor Elorza: ”Existem diversos modos de escrever uma autobiografía dialogada com uma personagem, mas aqui interessam as duas variantes principais. Uma delas consiste em tomar o caminho da confrontação: o interlocutor se documenta com profundidade e pergunta ao biografado as questões mais relevantes que fazem parte da sua trajetória de vida, dando, assim, oportunidade para esclarecimentos, discrepâncias e contradições. São as regras para elaborar um documento com veracidade.
“O caminho oposto”, continua, “consiste em fazer o papel de guia, levando o autobiografado pelos temas que ele mesmo deseja, passando por cima dos que são incômodos, renunciando às objeções quando encontra alguma falsidade evidente, e servindo de trampolim para a exposição doutrinal de cunho propagandístico. Parece óbvio que, a essa altura, Fidel Castro não iria prestar-se a outro jogo do que o da entrevista-rio convertida em rampa para seu próprio lançamento, de acordo com a segunda via já mencionada. Isso explica o pouco interesse de trabalhos como ´Comandante´, do cineasta Oliver Stone, ou a autobiografía com Ignacio Ramonet de segunda voz”.

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